SAVIO
 
 
         Eu gostava de dormir com a mão sob suas costas adormecidas, na nossa cama de casal. Não me lembro quem deitava primeiro, se ele ou eu. Não me lembro de muitas coisas dele. Mas esse detalhe de, ao deitar para dormir, eu fazia as minhas orações e virava me encaixando ao seu corpo deitado de costas pra mim, e enfiava o braço ou a mão sob aquele peso vivo, que completava aquele momento. Sentia-me bem. Um conforto tão bom, que não esqueço a sensação. Segura? Não sei o que sentia, mas era bom, fazia-me bem e bem eu dormia.
     Ele não me amava, mas permitia eu fazer esse gesto como que gostando. Era tácito aquilo, uma mentira de amor, um arremedo, um substituto do amor.      Tanto ele quanto eu, queríamos tanto o amor!

         Quando nos namoramos eu me encantei com suas mãos, que eram mais macias que as minhas, e boas de pegar. E seus olhos eram bonitos, tinham um olhar enamorado. Um olhar bom. Eu o amei e acreditei no amor dele por mim.
         Éramos um belo casal.
         Estávamos apaixonados, beijos maravilhosos, carregados de desejo, eu o amava e em três meses de namoro queríamos casar. Em três meses compramos o apartamento, mobiliamos e fiz o enxoval.

         ... Eu ia ser tão feliz!...

         Mas não deu certo. Ele parou de falar, Foi de um mutismo total. Foi um desencontro. Mostrou-se sem máscara. Ele não me viu, viu uma idéia, nunca me conheceu. 
     Eu morri bastante. Tive logo filhos que me absorveram. As Artes plásticas me acolheram e... chega aquele ponto, muito comum no ser humano, que apenas segue o caminho...

         Hoje seria o dia do seu aniversário nascimento, 20 de março.

  Morreu há três anos. Sofreu muito. Mas antes, tivemos um reencontro de paz.