RELATOS DE UMA PROFESSORA...



A    noite está fria, o vento forte...

A professora entra em sala de aula para a primeira das cindo aulas daquela noite, depois de ter estado em outro colégio durante o dia.

A sala é composta de quarenta e quatro alunos, presentes 39, adolescentes do segundo ano do ensino médio; como de praxe com os hormônios em fúria e tanta energia... Gritam, falam, vem beijar a “fessora”; querem atenção.

Uma aluna começa a dançar “funk” no meio da sala, com aquele jeans que deixa a mostra até o seu pensamento... já foi mandada algumas vezes para sua casa por causa das roupas, os pais foram chamados; veio a mãe... o pai está preso. Senhora jovem ainda, quieta, com mais cinco crianças sob sua responsabilidade... mora ali no morro mesmo.

A professora termina de apagar o quadro, pega o diário de sala e põe ordem... alguns oferecem resistência, mas na gíria aqui: “suave”, pois gostam da professora...

E a aula começa.

Uns interessados, depois de uma dia de trabalho, estressados (como a professora, que não demonstra e consegue transmitir calma com o olhar); outros alienados, revoltados, outros... drogados.

Sim, esta é a realidade!

Numa outra aula, um aluno tira um cachimbo de “crack” e diz a profesora: “ ‘pro’ deixa eu ir dar um tapa lá fora?!” – a professora diz: “Não!, já conversamos sobre isto... o aluno fala uns impropérios, senta-se... a professora sabe que não adianta encaminhar à direção, eles não temem mais nada... e é melhor tê-los ao lado do que perdê-los, pois vai-se trabalhando o aluno, até encaminhá-lo para ajuda; pois não adianta, numa L.A. (liberdade assistida), delatá-lo, ele volta para a Unidade e quando sai de lá, sai pior que antes...

A dita professora recorda-se que há dois dias atrás, dois o diretor e o coordenador bateram na porta de sua sala de aula, uma outra sala, esta de oitava série do Ensino Fundamental, acompanhados de dois P.M.’s (polícia militar), pedem licença, entram, algemam um aluno (Dionísio) e o levam... detalhe, este menino tinha já 19 anos, pois abandonou várias vezes o colégio e retornou, numa sala de EJA(educação para jovens e adultos do Ensino Público); era quieto, pacato, não dava trabalho. Fiquei sabendo depois pela direção que ele havia assaltado e matado...

No mês anterior, Dionísio (que nada tinha a ver com Baco), havia falado com a professora dos seus problemas... é apenas fruto desta sociedade podre e com uma enorme desigualdade social.

Houve também o caso do Kawan: “ - ‘Pro’, deixa eu ir tomar àgua? Vá mais volte logo! ...quando o distinto volta, tira um bolo de notas do bolso ( valor que provavelmente depois de trabalhar o dia todo a professora não consegue ganhar) e diz: -“é dos bagulhos aí! – nem é preciso dizer que, é melhor “ deixar quieto” , mexer com pessoal do tráfico...é tiro na cabeça ao certo.

São apenas adolescentes... Não é de se estranhar que ninguém quer estudar, não querem comprometimento com nada... a sociedade aí fora (pelo menos no mundo em que vivem) atesta que o que tem valor não são princípios, caráter e personalidade... são itens obsoletos, que o melhor e mais rentável e “passar drogas”...

A professora também recorda do carinho dos alunos e da sensação gratificante quando olhos atentos ao tema, perguntam, se interessam pela aula...

A professora termina o texto, explica, esclarece a aluna que está com suspeita de grávidez, já tendo em torno de si uma dúzia de outros adolescentes fazendo perguntas...

Ser professor nos remete a sermos: psicólogos, pais, amigos, suporte... É uma árdua e doce tarefa.

Recompensadora e às vezes, assustadora...
 
Esta professora, pessoa comum, também com problemas pessoais, que não são fáceis, sempre segurou tudo no corpo... dominava bem uma sala de aula, tinha o apreço dos alunos... mas   chegou a beira de um infarto...

Ela é fraca?!

Será fraqueza ou despreparo?

Não, não é isto!

Não é fácil passar por tudo isto, receber ameaças, ser pouco remunerado.

Doce ofício... mas não fácil!

Quem sabe tudo melhore... Esta desigualdade social que reina, este descaso de quem pode fazer alguma coisa, mude o quadro destes que estão fadados a uma vida dura e sem esperanças...

E o professor vá para a sala de aula, consciente do seu dever e feliz, porque os alunos voltaram a aprender o respeito, que lhe é ensinado por uma família, que muitos não tem... por viverem num lar desestruturado...



p.s.: Qualquer semelhança com a realidade é verdadeira...

Kira Penha Gonçales
Enviado por Kira Penha Gonçales em 20/03/2009
Reeditado em 20/03/2009
Código do texto: T1496107
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