Embrulha para presente, por favor – crônica de reminiscências
Na sexta-feira, a professora entregou-nos uma folha sulfite, ainda cheirando a álcool ,com um molde de cartão do Dia das Mães rodado no mimeógrafo.Restava-nos pintá-lo, decorá-lo com algodão, lantejoulas ou papel crepom em bolotinhas para que ele ficasse bonito.
Contudo, em casa, cartão escondido no guarda-roupa, as inúmeras propagandas de tevê me inquiriam sobre qual presente eu daria a minha mãe.Fiquei incomodada com aquilo."Cartão não é presente? “E agora, Maria?”
No domingo de manhã, segui para a padaria que ficava a menos de cem metros da casa dos meus pais.Levava comigo uma bolsinha cheia de moedas e algumas notas socadas.
Parei meus olhinhos de seis anos na vitrine e comecei a escolher, dentre as inúmeras opções que havia ali, a que me parecia mais decorada.
Olhei para o balcão e vi um rolo de papel de presentes ao lado de um suporte de fita adesiva.Não hesitei:
-Embrulha para presente, por favor – apontando para um enorme e apetitoso pão doce daquela rica vitrine.
O papel de presentes estava ali porque havia caixas de bombons e outros souvenires que eram embalados para presentear.Não era o caso do pão doce.
Insisti. Expliquei aos atendentes que se tratava de um presente especial de Dia das Mães.Em vão.Eles não embrulhavam pães para presente!
Sem outra saída, sentei-me no chão do comércio e chorei.Copiosamente.O Dia das Mães estava arruinado.Tudo porque eu, filha ingrata, não daria a minha mãezinha seu merecido presente.
Seu Jayme, dono da padaria, acostumado a me ver lá diariamente para a compra de leite de saquinho (vez ou outra eu, sem querer, estourava-o e ele gentilmente me cedia outro) veio ao meu encontro e me perguntou o motivo da tristeza.
Foi a primeira vez que naquela padaria um pão doce foi embrulhado para presente!
Saí de lá com rosto molhado de lágrima e banhado de contentamento.Estava orgulhosa de mim.
Foi o melhor café da manhã que eu tomei na minha vida.
(Maria Fernandes Shu – 20 de março de 2009)