O OITAVO PECADO CAPITAL

Logo de início um raivoso aviso: O oitavo pecado capital é cruel e diretamente contra Deus.

No século 6, tomando por base as epístolas de São Paulo, o papa Gregório Magno definiu como sendo sete os principais vícios de conduta: gula, luxúria, avareza, ira, soberba, preguiça e inveja. O rol de pecados, porém, só foi incorporado à doutrina da igreja no séc. 13, com o teólogo São Tomás de Aquino, que explicou detalhadamente cada um deles, mostrando a razão de serem capitais. O termo deriva do latim “caput”, que significa cabeça, líder ou chefe. Seriam eles portanto, os comandantes dos outros vícios subordinados - todo e qualquer mal de conduta é derivado dos sete pecados mortais, como também são chamados, por representar a morte da alma. O pecado original narrado no Gênesis, aquele em que a serpente oferece o fruto da árvore proibida do conhecimento a Adão e Eva, e eles aceitam, querendo igualar-se a Deus, este é para os doutos senhores da verdade o maior de todos - a soberba, o pecado raiz.

Acostumei-me a minha burrice catedrática e ao luxo de citar J. Guitton: “É certo, não tenho especialidade… mas, por isto mesmo, fujo dos limites que são impostos aos especialistas”. Agora protegido pelo vibrante escudo, não da retórica e sim de um sentimento puro, ouso dizer - não existem pecados. Para o espírito existem as responsabilidades assumidas e nada há para se perdoar senão saldar as próprias dívidas - caso não fosse assim o amor seria tão somente uma troca de favores obscenos em que se buscaria conjugá-lo na ilusão do presente - e perderíamos a ceia do cordeiro, aquela parcela infinita de ações e reações que nos contempla na medida paralelamente inversa - quanto mais se doa, mais se recebe. O perdão concedido pela vítima do descaso é apenas uma metáfora que inicia seu algoz na longa jornada de sua pena que há de vir no devido tempo.

Ouso mais, para aquele que acredita na ortodoxia dos sete pecados capitais só há uma saída - crer que exista também o oitavo pecado “mais que capital” pelo que este é o confessor de todas as nossas miseráveis relações com o divino. Dele falou sabiamente E. Wertheimer: “Ele parece ter sido dado aos homens para eles se odiarem mutuamente”. Arthur Schopenhauer foi ainda mais longe: “O oitavo pecado capital é como o vaga-lume, precisa das trevas para sobreviver”. Qual seria este pecado que desde os mais remotos tempos mata mais do que qualquer doença e açoita a alma mais do que os outros sete, explicitamente esmiuçados por São Tomás de Aquino? Para não incorrer em mais um pecado, honestamente a resposta não poderia ser outra: A RELIGIÃO. Eis o câncer da humanidade - a doença traiçoeira que se pode comprar ou contagiar-se em qualquer esquina deste caótico planeta chamado terra. Blaise Pascal numa dessas biroscas infantes, ditas salvadoras, perplexo e indignado sugeriu a sua reflexão: “Os homens nunca fazem o mal tão bem e tão dispostos como quando o fazem por convicção religiosa”.

O que é mais copioso de miséria, achar-se acima de Deus (soberba) ou colocar-se indigno de herdar suas convicções de amor e fé? A religião faz exatamente isso - coloca o homem como um mendigo de sua própria herança divina. Desliga-o de sua natureza sagrada e o liga a um monte de teorias absurdas.  Deste modo um cristão por princípio dogmático tem que odiar um judeu que por sua vez é obrigado a lutar com seu irmão islâmico… e assim sucessivamente num efeito dominó que cedo ou tarde vai provar ser mais poderoso do que todas as bombas atômicas - então seremos derrotados pela ignorância de querermos encarcerar a tal verdade divina nos calabouços das nossas impróprias opiniões - estas compradas a granel, pretensamente inspiradas pela boca de milhares de doutores e suas chamadas escrituras sagradas.

Diria mais… mais…para o escândalo das multidões que esperam o juízo final - Será que tudo já não acabou sem mesmo ter começado? Será que João e seu apocalipse resumidamente não vos diriam: “Eis a besta, A RELIGIÃO, ela vos ceifará a vida que poderia ter sido usada para entender que Deus está acima de todas as convicções premeditadas - Ele simplesmente não tem partido, não tem igreja, não usa controle remoto nem tampouco é proprietário de um self-service na esquina, cujos pratos são esmerados ao gosto do freguês”. A religião, este oitavo pecado capital serve-se à gula da avareza, ira, inveja e preguiçosamente emoldura-se na luxúria de pensar soberbamente de que somos todos idiotas para alimentá-la com o mais fermentado pão e vinho de nossos sangues.

Quando deixamos de professar alguma religião a iluminação acontece - eis que a religiosidade, a benção zelosa de Deus, nos coloca direto em contato com a sua luz, onde todas as barreiras profanas de estorinhas contadas nos púlpitos cedem lugar para a feliz conclusão - SOMOS TODOS UM… O “UM” de todas as escrituras.

Citar nesse momento algum iniciado seria blasfemar, pelo que estaríamos a escolher um lado - e não há lados a escolher, todos estamos no único lado… o lado do amor. Por isso retiro meu escudo e concordo com o escritor espanhol J.J. Benitez: “Na realidade, creio que nenhuma Igreja tem futuro, por um motivo: elas são meras etapas na vida dos seres humanos. Por milhares de anos a humanidade adorou o raio, o sol, a lua, e isso passou. Agora estamos na etapa do dogma, em que as Igrejas oferecem a salvação eterna, mas isso também vai passar. Um dia o homem chegará ao sagrado por si mesmo- será o lindo experimento da busca pessoal“… repito SERÁ O LINDO EXPERIMENTO DA BUSCA PESSOAL!

Então, o que estamos esperando para passar esta etapa, morrer? Não nos esqueçamos também que a morte não é o fim e já podemos mesmo estar mortos. Esta é mais uma artimanha do oitavo pecado capital - fazer-nos pensar que estamos vivos e temos ainda muito tempo para cortar-lhe a raiz.


Moryan é escritor, palestrante e publicitário.
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