Uma Simples Mortal

Uma Simples Mortal

As tardes já não são tão fagueiras como eram antigamente. Sentada em minha cadeira de balanço na varanda pego-me a divagar em meu passado. Que saudades! Lembro-me das pequeninas coisas que preenchiam meu dia a dia. Ouço tão nitidamente a voz de mamãe dizendo-me: “Filha, você vai galgar o topo do mundo. Sabe por quê? Porque você é especial. Única! Ninguém é como você”. Deitava-me no gramado em baixo da frondosa mangueira que margeava a entrada do pomar, como era gigante! Ficava olhando os pássaros saltitando de galho em galho. Eu já os conhecia. Fingia que eram meus amiguinhos e vinham me visitar. Eu ficava por minutos contando-lhes meus sonhos, minhas dúvidas, meus anseios. Podia ouvi-los respondendo minhas perguntas, dando-me conselhos, matando minha curiosidade. Falavam-me das coisas da vida das quais eu não tinha coragem de perguntar aos adultos. Hoje, eu preciso desesperadamente deles para me aconselhar. Oh! Onde estão quando eu mais preciso de vocês?

Aquela menininha cresceu, mas nunca encontrou o topo do “Everest”, quanto mais o do mundo. Percebeu com certa decepção que as pessoas não são tão diferentes uma das outras. Há uma grande similaridade entre si. Todas têm necessidades iguais. Sofrem com a distância dos queridos. Dos que partiram deixando para trás um coração despedaçado. Dos que disseram que voltariam, mas acabaram esquecendo-se das promessas. Dos que nunca prometeram, mas levaram a risca o que poderiam ter prometido. Dos que estão presentes, mas nunca interagem em sua vida, somente estão deixando a vida passar.

Saudades da brisa suave que brincava com minhas faces quando estava deitada em baixo da mangueira. Que inocência! Eu fechava os olhos e pensava que os deuses tocavam-me impondo-me a felicidade de ser uma grande heroína, ou quem sabe, uma defensora dos pobres e aflitos. Era só me chamar e seus problemas estariam resolvidos. Hoje, sinto-me incapaz de trazer grandes resoluções para os que me cercam. Em certas horas, sinto-me impotente, com as mãos amarradas, inerte, fragilizada, fracassada. Seus gritos chegam até mim, mas o inesperado me assusta porque, tornei-me vulnerável. Os deuses foram brincar em outro “Olimpo” e se esqueceram de me deixar a varinha de condão. Hoje, percebo horrorizada que eles apenas me transformaram numa simples mortal.

Ester Endo

mendo
Enviado por mendo em 03/05/2006
Código do texto: T149498