Mulher-pássaro

Chegou animada em casa.

Quando entrou, deparou-se com uma cena inusitada. O marido a esperava de pé na sala com as malas ao lado. Ela assustou-se.

- O que é isso?

- Ou eu ou ele. Vociferou.

- Do que, ou melhor, de quem, você está falando?

- De quem mais poderia ser? Desse animal que você chama de terapeuta.

Ela tentou, mas não conseguiu segurar a gargalhada. Sentou-se no sofá.

- Você só pode estar brincando.

- Eu não passei duas horas fazendo minhas malas de brincadeira.

Por um momento, ficou olhando aquela cena ridícula. Imaginando como um homem barbado tem coragem de se prestar a esse papel.

- Estou esperando.

- Eu também. Esperando que você vá para o quarto desfazer suas malas.

- Então você já escolheu.

Ela se irritou.

- Pelo amor de Deus, homem! Não me faça perder a paciência.

Era a deixa que ele queria.

- Pois a minha paciência já se esgotou há muito tempo. Eu não tenho mais saúde para suportar uma mulher diferente por sessão. Você volta dessa lavagem cerebral e cada vez que entra por essa porta é uma outra pessoa. Eu quero a mulher com quem me casei de volta e enquanto você estiver se destratando com esse animal, isso vai ser impossível. Ele te deu asas e você que coloque seus pés no chão.

Por um momento, encheu-se de compaixão por aquele ser tão despreparado emocionalmente, tão inseguro, tão frágil. Incapaz de perceber que ela não era mais a mulher com quem ele se casou há muito tempo. Incapaz de enxergá-la como uma mulher e não a mulher DELE. Sem condições de acompanhar sua evolução pessoal.

Ela era sim um pássaro que teve as asas aparadas por muito tempo, até o momento em que elas cresceram sem chamar a atenção, devagarzinho, dia após dia. E quando elas se abriram e todos viram suas dimensões, assustaram-se. Sem razão. Iria empreender vôos tão altos quanto fosse possível atingir. Mas retornaria sempre, porque àquela altura a sua gaiola se transformara em ninho, a morada de suas afeições mais profundas e verdadeiras.

Olhou para ele com os olhos cheios de ternura. Levantou-se, aproximou-se e beijou-lhe a face.

- Entenda, não há escolhas a fazer agora. Eu já escolhi há muitos anos e venho escolhendo você todos os dias. E hoje não vai ser diferente.

Meio desconcertado, meio sem graça, meio feliz, ele sorriu um meio sorriso. Pegou suas malas e foi para o quarto.