O PENETRA
Lembrei-me de quando era jovem e achava que as coisas erradas eram motivos para me vangloriar perante os amigos. Assim, era costume meu e de um primo frequentarmos a missa do sábado à noite – não para rezar ou para nos manter ligados à religião como fonte de crença – mas apenas com a intenção de conseguir alguma festa para curtir. Não obstante, chegávamos bem cedo e logo ocupávamos os primeiros lugares da Capela, porque caso houvesse algum casamento ou alguma festa de 15 anos, todos que faziam parte do evento – os familiares etc – iriam notar nossa presença na Igreja e, portanto, não iriam contestar nossa presença na festa, embora sempre alguém indagava sobre nós e as pessoas que nos viam na Capela se adiantavam e diziam: - Esses dois rapazes estavam na cerimônia religiosa e certamente devem ser convidados de alguém da família. Como os familiares –estavam muitos ocupados em atender os convidados – não iriam ficar investigando sobre o nosso grau de parentesco ou de amizade com alguém e acabávamos ficando na festa como se fôssemos convidados.
Evidente que isso foi uma fase de adolescente e hoje que o juízo acomOdou-se em nossa consciência, não podemos mais nos vangloriar de tal proeza, ao contrário, ficamos com vergonha de ter agido dessa forma, pois isso é desonesto e não condiz com uma atitude digna de uma pessoa de bem. Estou falando disso tudo para poder referir-me ao famoso penetra. Os jovens muitas vezes são levados pela visão distorcida dos valores da vida e assim, como eu, podem, por vezes, praticar algum ato de irresponsabilidade que devem ser creditados ao seu despreparo para a vida e a sua fase conturbada de apredizado. Ocorre, que existem certas pessoas que ficam adultas e não conseguem entender que uma conduta dessa natureza é desprezível e completamente anti-social.
É muito triste quando observamos que uma pessoa adulta não respeita a intimidade de outras pessoas, agindo de forma fria e completamente alheia aos costumes de outras pessoas, desrespeitando as regras sociais e fazendo “vistas grossas” aos protocolos, para penetrar em recintos que nada tem a ver com a sua característica individual. Assim, não é difícil de se deparar com aquele cidadão “cara-de-pau” que chega na sua residência pela primeira vez e se instala como se fosse alguém íntimo da família, não tendo nenhuma restrição para visitar os cômodos, para mexer na geladeira, para interferir na educação dos seus filhos, para ficar mais tempo que deveria, poRque sente que o ambiente cortez e sereno não lhe será hostil, porque todos daquela casa são ordeiros e educados. Enfim, o cidadão se aproveita da boa hospitalidade para prolongar sua visita. Isso é horrível, porque as pessoas de dentro de casa querem privacidade para circular pelo interior da sua morada, mas a presença de um estranho impede essa mobilidade ou essa liberdade individual.
É também extremamente constrangedor quando uma pessoa que agente conhece de vista, que não foi convidada para uma festa que você está presente, aproxima-se para uma conversa com a visível intenção de mostrar para os presentes que tem intimidade com alguém convidado da festa. Não é preciso citar que a conversa é daquelas em que você deseja arredar-se o mais rápido possível, mas aquele ente clandestino não quer perder a “deixa” e prolonga o quanto pode o “papo amistoso”. A solução é pedir um drink ao garçon e deixar-se levar pela natureza do ambiente, relaxando o mais que pode, até porque seria indelicado da sua parte, dar um ”chega prá lá” em alguém só porque é um penetra.
Existem penetra de toda natureza. Há também aquele que num ambiente de trabalho não é chamado para uma discussão qualquer que se tratava com pessoas mais chegadas e, ele, querendo demonstrar sapiência ou muitas vezes até alheio ao assunto, mete-se na conversa apenas com o fim de adiantar sua opinião que geralmente é diametralmente oposta à sua. O pior, é que temos de interromper a discussão dentro do contexto original, para dar “dissimulada” atenção ao penetra, pois não seria de boa educação dizer que ele não foi chamado para discutir aquele assunto. O mais grave é que esse tipo de pessoa não se toca e continua insistindo em entrar na conversa como se fosse íntimo do debate, não deixando que o tema avance dentro do propósito em que se iniciou. Esse é o penetra do contra, ou seja, ele sempre estará presente para contestar e não para somar. Sim, porque também pode existir o penetra que soma na conversa, mas esse é mais raro, entretanto, não deixa de ser um penetra, porque não foi chamado para discutir o assunto. Assim, sempre que alguém está discutindo alguma coisa e não somos parte dessa discussão - mas estamos querendo fazer parte, porque o assunto é do nosso interesse - o correto não é interromper e dar a nossa opinião, mas esperar que sejamos chamados para dar nosso parecer. Se isso não ocorrer, paciência, talvez num outro dia nós podemos suscitar o tema e assim dar nossa opinião.
Entretanto, o pior dos penetras é aquele que vive se metendo na vida das pessoas da família, interferindo nas relações inter-pessoais, com fofocas e com “leva-e-traz” que podem causar sérios traumas a um relacionamento conjugal, por exemplo. Essas pessoas podem ser a sogra (o), a cunhada (o), o pai a mãe, o irmão (a), que na maioria das vezes são pessoas que vivem ao seu lado, por alguma razão estratégica familiar, mas não tem o chamado “simancol” para evitarem interferir numa problema que não lhes digam respeito. Sabemos que as pessoas – na maioria da vezes – tem uma visão estrábica sobre um acontecimento, caso não façam parte dele. Isso significa que qualquer parecer sobre a questão não encontrará solução, pois o caminho para se resvolver uma questão polêmica é saber a origem do problema. Logo, quem se mete numa discussão sem saber sua origem, ao invés de ajudar, torna-se uma pólvora que a qualquer faísca incendiará a controvérsia. Destarte, quando um casal discute; uma terceira pessoa jamais saberá a origem daquela discussão, que pode não ser apenas aquele ponto externo que pode ser visualizado por um terceiro, mas as entrelinhas do relacionamento que para um terceiro é amplamente subjetivo e não terá alcance nas suas fundamentações. Nesses casos, se a sua interferência for permitida pelos autores da contenda é aconselhável, no máximo, um conselho com base em vivência pessoal, mas jamais com toques de parcialidade para dizer se um outro tem razão na briga.
Enfim, para não delongar no tema que envolve muitos exemplos e muitas situações que envolvem o chamado penetra, utilizo-me deste ensejo para chamar atenção para tais condutas que muitas vezes ocorrem por impulso e quando vemos já aconteceu. O importante nisso tudo, é que cada um de nós saiba distinguir o que é ser penetra e o quanto esse comportamento é repudiado pela sociedade como um todo. Nenhuma dessas condutas que narrei são factíveis de tolerância por quem se sente invadido na sua privacidade. Aliás, o direito à privacidade é previsto em nossa Constituição Federal no seu artigo 5º, X, “São invioláveis, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizaçao por dano material ou moral decorrente de sua violação”.