Teremos vivido inutilmente?
Cissa de Oliveira
Uma batida de bigorna se fez em algum ponto por aqui, no baú dos meus conceitos, quando li a resposta do meu amigo Nilto Maciel a uma pergunta até banal – e, por ser banal, penso agora, por que me afligia? “Paciência, mulher, o mundo não vai acabar amanhã, e, se acabar, teremos vivido inutilmente.” Se ele, que é escritor bem reconhecido e bem publicado, diz isto, a quantas eu terei vivido até então?
Convém explicar que a pergunta feita ao meu amigo estava ligada à publicação da entrevista que ele me concedera, numa revista dessas virtuais, até bem conceituada. Daí que se explica o “calma, mulher...”, etc e tal. Pois bem, ele está certo. Depois, diz o dito popular que, durante a vida, todos devem plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Eu já fiz todos. A árvore cresceu, a filha também, e quanto ao livro – na verdade dois - até publicados já foram. A árvore, por certo, já espalhou muitas sementes, e deve ter uma prole significativa. A filha está estudando, namorando, trabalhando. Um dos livros é de crônicas e ganhou um concurso.
Então por que este vazio aqui, esta busca, e tanta, que pôde ser detectada a centenas de quilômetros pelo meu amigo escritor? Seria pelo fato de que, mesmo tendo ganhado o tal concurso com um livro inteiro de crônicas, eu não tenha conseguido sequer um espaçozinho no jornal local para publicar, vez em quando, uma crônica nova? Não sei. Sei apenas que, dia desses, eu rasguei o Paulo Coelho todinho. Foi indiretamente, mas foi. E acompanhado de um surpreendente (até pra mim): - Vai dar lição de moral na pqp! E eu nem tenho nada contra ele, e, no fundo, nem contra a crônica, no jornal da minha cidade, em que ele falava sobre imortalidade, principalmente porque no final ele reconhece: “... e nada, absolutamente nada, restará no mundo que o vampiro tanto amou um dia...”
Mas eu me volto novamente para questionamento maior e mais importante, ou seja, o “viver inutilmente” detonado pelo meu inteligente amigo que, até onde eu sei, nem é unanimidade – a unanimidade é burra, já dizia o Nelson Rodrigues. Mas o que isto significa? Diga aí, seu Nilto! Ou diga não, meu caro amigo escritor e conterrâneo, que adivinhão você não é (que eu saiba), nem sensitivo (seria?), pra decodificar caraminholas numa tela fria de computador do outro lado do Brasil. Caraminholas de quem age, mesmo que inconscientemente, como se o mundo fosse, de fato, acabar amanhã: madrugadinha adentro, fria, insuportavelmente atemporal. Silenciosa como os passos do ladrão que ninguém pressente. De repente o vácuo, eco de big bang ao contrário, buraco negro. Setembro sem flor, nenhuma flor, nenhuma, nunca mais. O nada. Nem vampiros. Só a ausência para contar dela mesma.
Depois eu acordo. Apesar das árvores, dos livros, dos filhos – e também das revistas e dos jornais –, o único fato contundente na vida é que, apesar de tudo, “ainda haveremos todos de viver até a morte”.
Do livro de crônicas:
"Uma sujeita esquisita"
Ed. AVBL - SP - (2009)