Venha Para a Turma da Melhor Idade, dizia o outdoor. Logo abaixo da propaganda, duas velhinhas tentavam ler, com certa dificuldade, o que estava escrito. Uma delas trajava um vestido florido e sapatinho branco, bem baixinho, e segurava diante dos olhos um par de óculos daqueles bem antigos – de segurar mesmo... –, enquanto tentava explicar para a companheira do que se tratava a propaganda. A outra velhinha balançava a cabeça como se compreendendo o que a amiga dizia. Ficaram ali por um bom tempo. Aquele momento, aquele lugar..., talvez fosse um bom passa-tempo.
Do outro lado da rua, sentado no meu carro, fiquei observando aquela cena enquanto ouvia um CD do Tom Jobim. Ipanema estava particularmente linda naquele dia. Um sábado de sol brando. Pessoas começando a chegar com suas cadeiras de praia. Eu acabara de tomar um café na padaria do Leme e fiz uma breve parada por conta do semáforo que ficara vermelho. Logo seguiria pela Niemayer com destino à Barra.
Continuei ali, na casa dos meus quarenta anos, refletindo sobre o que dizia o outdoor, pensando acerca tempo, no seu poder e precisão. Não conseguia aceitar a classificação da Melhor Idade. Olhei várias vezes para o espelho retrovisor do carro e identifiquei relevos em meu rosto, inscritos pelos anos e, às vezes, despercebidos por mim. Lembrei-me da infância distante, da juventude, dos meus anos vigorosos e impulsivos. Lembrei-me do confidente que, diariamente, aguardava-me diante do espelho e carregava na tez o viço da real Melhor Idade.
“Os jovens desejam ser fiéis e não conseguem. Os velhos desejam ser infiéis e não podem”. Lord Henry estava certo. A beleza emoldurada pelo brilho da juventude é o crédito ilimitado e a senha de acesso aos prazeres e benesses da vida. Dorian Gray, animado em tela, por muito tempo representando toda verve de Basil, vivenciou de maneira extrema todas as vertentes que a beleza e a vaidade humanas podem propiciar. Oscar Wilde, implacável, regava meus pensamentos.
Lembrei-me também, de quando tudo era despreocupação: escola, saúde, futuro dos filhos..., filhos que naquele exato momento estavam tão longe e tão perto de mim. Voltei o olhar àquelas velhinhas. Havia chegado mais um curioso. Meu pensamento ganhou asas.
O outdoor fazia propaganda de uma academia para pessoas da terceira idade, melhor idade, velhos... Surpreendi-me pensando na nobreza de se tornar velho, mas logo, tudo se transformava em um extremo sentimento de compaixão. Ora, como poderia aceitar a Melhor Idade, se é nela que tudo perde a graça - o pinto cai, o peito cai, a bunda cai...-; os olhos minguam, ávidos por luz, num emaranhado de rugas irreversíveis. A boca, num esforço sobre-humano, treme para entoar a voz já enfraquecida. Não, não é a melhor idade. É a idade da melhor lembrança... talvez. Pode ser a idade da sabedoria acumulada, porém, de muitos enganos também acumulados – até os que foram demasiado maus, intolerantes, desequilibrados, preconceituosos..., são absolvidos pelo generalizado sentimento de pena que se tem dos velhos –. Ora, tiranos e bandidos de toda sorte também envelhecem!
Dei mais uma olhadinha no espelho. Parece que surgiram mais alguns sulcos em meu rosto, ou não? Claro que não, já estavam ali; eu apenas não havia percebido... - pensei.
...Venha Para a Turma da Melhor Idade, dizia o outdoor. Não havia mais espelho nem carro. Não havia mais a música do Tom, que se não me engano, era Luíza. Meus olhos não conseguiam mais ver, ao longe, a Niemeyer. Tentava ler o slogan com dificuldade. Minhas pernas estavam enfraquecidas, minhas mãos trêmulas. A voz que outrora entoava tantos cantos, já não ecoava mais. Não havia mais juventude. Não havia, sequer, um amigo ao meu lado. Não havia quase nada. Havia apenas lembranças que ficaram de um tempo bom.

Deni Reis

Deni Reis
Enviado por Deni Reis em 18/03/2009
Reeditado em 18/03/2009
Código do texto: T1493427
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