Enterros!!! 2a Parte
O enterro
Primeiro tenho que contar a lenda do enterro que impera por estas plagas, pra depois entrar no fundamento da minha história. Diz que durante o crepúsculo da guerra do Paraguai – 1865/1870 – Solano López, acuado, fugia com uns poucos soldados e seus generais, estes seus filhos de 16, 17 anos, passando por estas terras nossas (Amambai/MS) tanto é que veio a morrer pertinho daqui, na região de Cerro Corá. Carregava consigo os pertences mais valiosos, entre estes arcas e arcas de moedas de ouro. Como não conseguia carregar tudo, que isto lhe atrapalhava a viagem, fazia o seguinte: Enterrava aquelas caixas com o tesouro em lugares que tinham alguma característica específica para serem localizados depois que a guerra acabasse e matava um soldado que lhe acompanhava e o enterrava ao lado da arca, que era pra este ficar de guardião do ouro. Por isso a denominação “enterro”. Pois bem, passados todos esses anos, diz a história que esse tesouro aparece para algumas pessoas predestinadas, através de sinais. Primeiro um clarão imenso no meio do nada, parecendo uma bola de fogo, depois que a pessoa vai a este lugar encontra outros sinais que vão indicando a exata localização do enterro. Tem que ter muita coragem pra enfrentar o espírito que fica cuidando da arca do tesouro e se o mesmo sinal aparecer pra mais de uma pessoa, ai de quem duvidar ou ter pensamentos ruins com relação aos parceiros, que o enterro simplesmente desaparece. E isso se cultiva ao longo do tempo por toda essa região de fronteira, muita gente ainda tem esperança de encontrar algum enterro por aí, taí o Karaí Redu Lima que não me deixa mentir, apoiado hoje na tecnologia com aqueles tarecos de identificar metal embaixo da terra, onde tem notícia de algum enterro, se mete mato adentro a procura do seu oroyte. (ouro puro)
Aí é que entra a minha história.
Jovem advogado, tinha acabado de concluir o curso de direito na capital e voltou para a cidade natal a fim de fazer a vida. Devidamente instalado, com uns poucos móveis que lhe haviam sido emprestados por um primo, esperava ansiosamente pelo primeiro cliente. Não mais que de repente se anuncia um senhor chamado Roque, que dizia ser amigo do seu avô paterno e soubera da sua chegada.
- Dôtor, agradeço a virgencita índia , que mandou o senhor de volta pra cá formado, porque só alguém de muita confiança pra resolver o meu causo.
- Pois não, meu senhor em que lhe posso ser útil.
- Por supuesto, vou relatar par e passo o que me assucedeu, o senhor tenha um pouco de paciência. - Naquele tempo, eu trabalhava cuidando um gado num retiro pertencente ao Seu Zé Goiano e depois de um dia inteiro de muita labuta, já no lusco-fusco, tava mais a Brígida tomando nosso mate na varanda da tapera, quando de repente avistei um clarão, parecia uma bola de fogo, assim pros lado onde sopra o vento sul. Falei pra minha véia que devia de tá pegando fogo no pasto, mas ela disse que não avistava nada. Firmei o olhar. Um arrepio percorreu a minha espinha, pois na mesma hora compreendi que era um sinal pra mim. Reforcei a dose de querosene na lamparina e fui se avistar com o meu destino. Chegar, cheguei, mas lhe confesso que se não fosse a idéia de enricar não tinha me dado a coragem pra chegar perto dos fantasmas...
- Que fantasmas???
- Se acalme seu dôtor, parece que nasceu de sete meis, mais apressado que putrilho novo sorto no meio da éguada. Como ia dizendo, tinha quatro fantasmas cavaleiros guardando o tesouro, um num tordilho, outro num zaino, outro num bragado e mais um, num cavalo mais preto que noite de lua minguante, todos me mirando como se não quisessem repartir o que era seu, e aquela bola de fogo ali, que não queimava parecendo àquela da sarja que apareceu pra Moisés, por isso me apeguei com São Bento, que nessas horas de mais valia sempre socorre quem dele se acode, o senhor conhece não conhece???
- ???
- “São Bento que está na água benta, Jesus Cristo no altar, inimigo mal que está no caminho, sai do caminho que eu quero passar”. Essa reza me deu uma força danada por dentro e me acheguei bem no lugarzinho que tavam indicando ser do enterro, marquei bem marcado e me aboletei de volta pra buscar os instrumentos e cavar. Aí é que começou a minha desgraça seu moço, porque na ansiedade de pegar o que o finado Solano deixou pra mim, passei na Fazenda dos Ferreira - essa família mais rica da fronteira - e contei pra eles tudinho o que tinha acontecido e pedi pra me ajudarem a desenterrar o ouro que eu repartia uma parte com a turma d’eles.
- E ajudaram???
- Pois, pois. Aí é que entra a história onde vou precisar do seu ajutório jurídico. Cavemos uma lonjura e finalmente topamos com a arca, quando abrimos, meu Deus do céu, me arrepio só de lembrar, tinha cada patacão de ouro do tamanho de um pires cada um, aquilo brilhava mais que o sol do meio dia. Finalmente ia poder comprar uma terra, aquilo ia ser uma belezura, plantação de pomar, galinhada no terreiro, porco no chiqueiro e uma nelorama que ia dar gosto de ver, tava até vendo. Enliamos bem a arca com umas cordas, amarremos as pontas na carreta de bois e os bichos véios se peidaram tudo pra puxar, tão pesado que era o baú. Mas aí seu dotor, pro senhor ver que a maldade humana não tem limite, depois daquela trabalhama toda, os fio duma égua, me encostaram um schimidt na cabeça, me amarram com as piola mesmo que tinham usado pra puxar a arca e se mandaram com meu tesouro...
- Que história seu Roque, só não entendo em que posso ajudá-lo.
- No que póde, no que póde. Uéi, o senhor não é um dotor formado??? Não tá ali na placa o nome de ‘devogado’? Pois quero que o senhor peça ao seu Juiz tudo aquilo que me é de direito, quero que o senhor entre com ação contra esses Ferreira pra eles me devolverem tudo o que me foi roubado, ora essa. Ou não existe Justiça neste mundo?
Sem jeito, o causídico, foi obrigado a dispensar o cliente, dizendo que não mexia com aquelas ‘causas’ - só atuo na área criminal - disse. Seu Roque, cabisbaixo, diz que não desistirá da empreitada e que um dia recupera seu enterro.