Eu Não Desisto de Você (reflexão)
Sendo Zelinha uma valorosa combatente, fez a gentileza de me mostrar ainda na segunda-feira, seu texto publicado ontem, em que me desafia a incutir-lhe alguma fé, seja pela lógica ilógica de crer no que não se vê, seja por sua estranha sugestão de submetê-la a uma overdose de canto gregoriano, de preferência concomitante a uma violenta ressaca, embora já tenha me dado a entender que este adicional será meio difícil de conseguir, uma vez que cortou pela metade o consumo de cerveja.
Com tanto tempo de antecedência, pensei ser possível escrever-lhe uma resposta à altura. Doce ilusão. Precisaria de uma vida inteira para ler tudo o que Zelinha leu. Talvez umas duas encarnações para saber tudo o que Zelinha sabe. Não me pergunte se tenho idéia de quantos séculos me seriam exigidos para escrever como ela escreve. Restaram-me duas alternativas: enfiar o rabinho crente entre as pernas e me recolher à minha insignificância argumentativa ou enrolar o quanto posso, juntando tudo o que ouvi nas inúmeras missas que papai me fez assistir com um monte de outras coisas que li e nas quais aprendi a acreditar.
Assim, quase num sussurro, que não me ouçam seus fãs mais fervorosos (existe algum? nunca havia ouvido falar nessa senhora), essa Simone Weil é uma chata. Prazer de ser do contra, imitada com muito mais graça pelo Aparício Torelly quando afirmou que jamais faria parte de um clube que o aceitasse como sócio. Se a principal razão dela para não aceitar o batismo é essa, já perdeu metade da razão comigo. Não existe isso de não querer fazer parte. Todo mundo quer. Reconheço que as religiões todas e cada uma delas têm muitos defeitos. O fato de seus adeptos serem “grupos” é o menor deles e nem chega a ser um defeito. Se dona Simone aceita títulos, “mística, filósofa e agnóstica” já está em um grupo. Pode bater no peito e bradar, convicta:
- Como mística, filósofa e agnóstica que sou, afirmo que “era-me mais fácil imaginar sem criador do que um criador carregado com todas as contradições do mundo”.
Botou a cara num crachá. É grupo, corporação, sociedade... tudo o que ela pensava desprezar.
Primeira máxima tornada mínima, passemos à segunda. Se bem que, confesso, não a entendi muito bem. Pode ser culpa das louras madeixas, mas, se ela é atéia, ou era, o que entende da verdadeira fé? Eu que creio, não sei direito o que é uma fé verdadeira... Lembrei de uma palestra do professor Gretz. Ele disse que não acredita em ateus. Sugere que se enchermos um avião de ateus convictos e desligarmos os motores, teremos um avião repleto de recém convertidos. Claro que isso não deve ser a fé verdadeira, mas acredito plenamente que, o que a fé mais tem de bom é servir de consolo, confortar. Por mais que rezem, Deus não vai segurar o avião. Nem mesmo os ateus acreditariam nisso. Mas saberão que Ele os estará esperando ao final da queda.
Quanto às contradições de nosso mundo, poderia responder citando o livre arbítrio, o mundo é perfeito, nós é que, com nossas escolhas ruins o tornamos um inferno. Mas prefiro acreditar que Deus é um Pai tão bom, tão maravilhoso, que tudo o que vivemos está em seus planos e faz parte de nossa evolução e crescimento. Somos como qualquer narrativa: precisamos de um conflito para nosso desenvolvimento. A linearidade não oferece desafios.
Diante de tão fracos argumentos, não me admira que essa senhora tenha se tornado religiosa após seu pequeno calvário particular. Quanto a você, minha cara doutora, filósofa e pensadora, tenha certeza. Não desisto de você. Independente de sua pouca intimidade com Deus e as religiões e de suas posições de desconfiança com o que não pode ser explicado, vejo em você um coração tão generoso e firme, atitudes tão honestas e belas, que já posso vê-la, no dia de sua partida deste plano, daqui a muitos e muitos anos, surpresa ao deparar-se com o próprio Pai, esperando-a de braços abertos.
Texto em resposta à crônica de Zélia Freire:
Que Venha a Mim Um Canto Gregoriano
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1490607