INCLUSÃO - A TRISTE REALIDADE DE UM SONHO

Geralmente os alunos que freqüentam escola rural são simples e humildes. Apesar da avançada tecnologia, ainda há alunos que não conhecem computador, cinema, praia, etc. A convivência é difícil, pois alfabetizá-los se torna complicado e muito mais intricado é fazê-los entender a inclusão.

Certa noite sonhei que duas mulheres chegaram em minha escola, para me apresentar uma nova aluna, me vi conversando alegremente com elas e ouvi que a menina é especial, muito especial.

Como faço todas as manhãs, vou caminhando até minha escola, que deve dar uns quatro quilômetros, aproveitando o percurso para meditar, planejar meu dia, a aula a ser dada, relembrar os sonhos que tive e buscar neles alguma mensagem de Deus.

Alguns dias depois, chegaram duas mulheres perguntando se havia vaga para uma aluna e se aceitávamos crianças em cadeira de rodas, pois a menina é paraplégica. Imediatamente me lembrei do sonho. Que estranho essas premonições que me acontecem. Lógico que eu disse sim, inclusive contei que Deus já havia me avisado através de sonho e que ela seria bem vinda.

E assim chegou a Maísa! Era uma nova situação, afinal, uma cadeirante no meio de crianças normais é muito preocupante.

Comecei a observar o sacrifício da mãe, da tia e do avô. Às vezes, o avô trazia de carro, em frente à escola, desciam a mãe, o avô e montavam a cadeira, uma cadeira um tanto quanto velha demais, o estofado furado, coberto com uma toalha de banho, depois a mãe pegava Maísa no colo e colocava na cadeira e levava para dentro da sala de aula.

Quando vinham a pé, a mãe ou a tia, empurravam a cadeira, numa estrada de pedregulhos, por cerca de quinhentos metros. Como era trabalhoso e sacrificante levá-la à escola, quando chovia, elas vinham, uma empurrando a cadeira e a outra segurando um guarda-sol (guarda-sol de praia pelo seu tamanho e protege mais da chuva). Maísa veio para nossa cidade, porque sua mãe ficou sabendo que um homem, em Antonina, curava pela mente e isso fez com que a família viesse de Curitiba, para nossa cidade, na esperança de uma cura. O sonho da Maísa é andar. Só mesmo um milagre e para Deus nada é impossível. Pode até ser que ela consiga andar, pois nossa medicina está tão avançada, mas seria preciso muita fisioterapia.

Esse homem, através de sessões, apertava a cabeça da Maísa e gritava: “você é capaz de andar, você vai andar . . .”. Segundo Maísa, quando saia de lá, muitas vezes, não conseguia dormir, pensando nos gritos do homem. Mas havia a esperança, a fé incontrolável de que andaria.

No decorrer dos dias, fui conhecendo a Maísa, aprendi a empurrar a cadeira de rodas, percebi que era uma menina com os pensamentos de uma menina normal, que tem vaidade, desejos, sonhos. Ela estava com oito anos. Seu quadro clínico é de uma anormalidade nos ossos da bacia, que tornava um problema congênito irreversível. Ela pode mexer todos os membros do corpo, só não consegue ficar de pé.

A princípio, fiquei preocupada, pois eu não sabia como lidar com uma criança de cadeira de rodas. Nunca a levei ao banheiro, simplesmente porque não agüentava o seu peso. Não é nada fácil, tanto para os alunos normais, como para a própria criança paraplégica e principalmente para uma professora que não foi preparada para tal situação. Ensinei as crianças a empurrarem a cadeira de rodas, como se fosse uma coisa normal, dizendo que a cadeira não era um brinquedo. Na hora da Educação Física, ela participava jogando bola, peteca e o que mais gostava, era segurar a corda para que os alunos pulassem.

Para mim, foi uma experiência sui generis, porque não dizer, penosa. Como professora, me pergunto como deveria agir diante de uma situação como essa? Qual a mensagem que Deus quis me passar? Mesmo que eu tivesse um bom preparo, qual seria a melhor forma de ajudar uma criança que vê em seu sonho, uma dura realidade?

Para ela escrever encontrava muita dificuldade em levantar o braço. Quando ela queria ir ao quadro-negro escrever, tínhamos que ajudá-la.

Numa das aulas, sentamos em círculo e conversávamos. Era como se fosse uma mesa redonda. Eu comecei a fazer umas perguntas para as crianças, como: o que gosta mais de fazer, de comer, de conversar, o que será quando crescer, etc., e, cada um respondia ora com convicção, ora com timidez demonstrada em risadinhas e esconder o rosto.

Perguntei a Maísa, qual a brincadeira que ela gostava mais e ela respondeu que era pular corda e uma das alunas contestou: “- Pula muito!” Tive que explicar que através da imaginação e de sonhos, ela pula e brinca como qualquer criança.

Em outra situação, ralhando com os alunos, pedindo um pouco de silêncio, disse “– quem estiver de pé, não sairá para o recreio”, a Maísa falou “– eu vou sair, pois não estou de pé”. Um aluno retrucou “– você levanta muito, mesmo”. São momentos que mexem muito com o psicológico do professor e da própria criança.

Certa vez, um aluno da quarta série, pediu para empurrar a cadeira de rodas, pedi muito cuidado, mas ele displicentemente derrubou a Maísa. Ao cair na grama, a menina ficou imóvel e ao correr até ela, minhas pernas pesaram muito e não conseguia acelerar o passo, para colocá-la na cadeira de rodas, foi preciso várias crianças, pois justo naquele dia, a outra professora e a merendeira foram passear com os alunos das outras séries. Depois de sentá-la na cadeira de rodas, comecei a limpar a grama em seu rosto e num estado de comoção, perguntei o porquê dela ter ficado quietinha, como se tivesse desmaiado, ela respondeu que estava com medo de perereca. Na escola tem muito sapo, “nipanga” (um sapo minúsculo) e perereca.

Creio que por volta de duas semanas, fiquei impressionada com o ocorrido, lamentando não ter estrutura para cuidar de uma criança com esse problema tão sério. O professor tem que ser dinâmico e versátil, porque se depara com situações embaraçosas e sofridas.

Nós, professoras, num instinto materno, tratamos essas crianças de uma forma diferenciada e até mesmo com um sentimento de pena, mesmo assim, temos que mostrar às outras crianças que não devemos vê-la como um ser diferente.

Quando o final do ano chegou, a mãe percebendo que não estava adiantando as sessões em Antonina resolveu parar e voltaram para Curitiba.

Maísa foi embora, deixando em mim uma grande lição de vida, de amor à vida, de luta, de esperança e de fé.

Oncken
Enviado por Oncken em 17/03/2009
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