A Maldita Carona
Chegou-me aos ouvidos uma notícia que me deixou chocada: Um caminhão tombou em cima de uma casa, e todo mundo havia morrido. Nossa, pensei que coisa terrível!
Quem tinha sangue frio, e gosta de vê essas coisas correu pra lá. Eu fiquei no meu lugarzinho porque sou fraca pra essas coisas.
No dia seguinte, tinha que passar pelo local, e fui logo percebendo que havia muitos curiosos por ali. O trânsito estava lento porque quem passava queria ver. Qual não foi a minha surpresa: O caminhão tinha realmente saído da pista, estava de rodas pra cima; todo achatadinho. Dava pra vê que quem estava dentro não escapara. Mas ali pude constatar uma verdade: A gente só morre na hora.
Outro ditado popular estava em ação: Quem conta um ponto aumenta um ponto. O caminhão batera no muro e nas pilastras do terraço da casa, portanto apenas essas duas vieram abaixo. Ninguém na casa sofrera qualquer arranhão. A casa estava de pé.
O motorista saíra vivinho da silva. Só havia quebrado uma perna. Sofreu algumas escoriações. Porém havia uma vítima fatal. Quem seria essa coitada?
Há uns cem metros do acidente, o caminhão estava estacionado num posto de gasolina; uma mulher pediu carona, e aproximadamente três minutos depois não imaginava que iria ser esmagada pelo veículo que lhe estaria poupando R$ 2,00(dois reais) da passagem.
Pensei com os meus botões: Acontece cada coisa nessa vida que a gente tem que parar para fazer uma reflexão.
Quantas vezes saímos de casa deixando de dizer algo para quem amamos, e não imaginamos que essa poderá ser uma oportunidade que não voltará jamais. Quantas vezes achamos que o gesto de carinho que desejamos dá à pessoa amada pode ser deixado para algumas horas depois. E nem sabemos se nessas horas poderemos estender as mãos e acariciar os cabelos do filho; passar a mão no rosto do esposo amado; dá um abraço nos pais queridos; num gesto de carinho apertar a mão calejada do avô que cochila o tempo todo na cadeira de balanço; num olhar dizermos para os amigos: Vocês são importantes na minha vida.
Lembro de duas pessoas que me amaram profundamente, e que quando ia visitá-las via nos olhos, no sorriso, nos gestos o grande afeto que transbordavam naqueles corações tão ternos. Quando terminava a visita, iam me levar ao portão. Beijavam-me o rosto, abraçavam-me de forma intensa; ficavam me olhando entrar no carro. Percebia que só entravam quando me perdiam de vista.
Duas amigas que realmente choravam comigo quando me viam sofrendo; alegravam-se quando me viam alegre. Deixei de dizer que as amava muito! Preocupei-me com o tempo curto para tantas obrigações, e não percebi que aqueles olhos embaçados pelo tempo, sentiam minha falta.Um dia nunca mais as teria comigo.
Hoje, todos os dias abraço meu filho logo cedo, dou-lhe um abraço bem apertadinho, e digo o quanto o amo. No decorrer do dia, estou sempre parando para olhar nos seus olhos e dizer: ¨Você sabe que mamãe o ama muito?¨ À noite, antes de dormir lhe dou um abraço de ¨mamãe que ama muito, muito, muito.¨Se o repreendo por alguma coisa, deixo passar um tempinho; depois vou até ele, e o pergunto o que está sentindo. Geralmente, me diz: ¨Estou muito triste porque fiz algo errado, e você brigou comigo.¨Pergunto-lhe onde está a tristeza, e ele me aponta para o coração. Com uma mão faço um gesto de quem está arrancando algo de dentro do seu coraçãozinho, e volto a lhe perguntar: ¨E agora, a tristeza ainda está aí?¨ Ele responde: ¨Só um pouquinho, mamãe.¨
Dou-lhe um abraço, olho bem nos seus olhos, e volto a fazer o gesto ¨de quem está tirando o restinho da tristeza.¨ Volto a perguntar:
_E agora?
Ele me dá um sorriso mais alegre, e diz:
_Ela foi embora.
Dou-lhe um abraço de mamãe-ursa, e me levanto. Meu filho me chama e diz:
_Mamãe, olha como está meu coração!
Com uma mão, aponta para a própria boca, e desenha uma boca com um sorrizão, saio do seu quarto com o coração transbordando de amor.
Ainda vou fazer dengo no cachorro; ele precisa saber que é amado. Enquanto o esposo não chega, uso a cabeça para pensar o que posso fazer para num gesto demonstrar quanto sinto sua falta. E isso se chama: ouvir a voz do coração; aproveitar o dia de hoje; zelar pelos bens preciosos que Deus tem nos dado. E quando cito bens, não me refiro às coisas materiais; essas são efêmeras demais.