Nos tempos da roça

Gosto de lembrar minha infância. Tão diferente dos tempos de agora, das brincadeiras, dos brinquedos, da diversão. Na minha meninice, tínhamos tempo para tudo, principalmente para brincar. Vivi tão intensamente essa época, que lembro-me sem nenhum rastro nostálgico, com brilho nos olhos e o coração cheio de alegria, dos sabores, dos cheiros e das sensações da minha infância. Eu era feliz e sabia.

Eram tempos mais preguiçosos, uma tarde alastrava-se por um dia inteiro. As mães é que faziam a comida e aroma de comida de mãe é diferente. Tem mil aromas, de temperos naturais, de carinho, de atenção, de cuidado com a família. Ajudávamos nos afazeres domésticos, nessa época não se falava em exploração do trabalho infantil. A gente até aprendia com isso, aprendia a valorizar o esforço para se manter uma casa em ordem. E trabalhávamos brincando também. Quantas vezes ao varrer o chão, eu era a Gata Borralheira, ou me transformava numa grande cantora lavando a louça usando colheres e garfos como microfone...

Brincar em casa, só se estivesse chovendo. O negócio era correr livre pela rua e onde eu morava tinha até campinho. A criançada solta dava gosto de ver. Pique-esconde, queimada, pular elástico, pique-bandeira e, às vezes, até salada mista. Que a gente é de antigamente, mas não era bobo. E quando, por um motivo ou outro, acontecia alguma briga, resolvíamos do nosso jeito, não precisava envolver os pais. Na escola era a mesma coisa. Se pai fosse chamado na escola, era surra em casa. E tínhamos muito respeito pelos professores, quem ousasse enfrentá-los ou faltar-lhes com a educação era considerado um delinquente em potencial. E o resto da turma ficava horrorizado.

Mas o que mais gosto de recordar são as férias na roça. Fantasias soltas pelos campos a correrem com o ar puro, passeios a cavalo, nadar no córrego, quitanda assada em forno de barro, leite ao pé da vaca com café amargo, de manhã bem cedo. Comer fruta no pé! As melhores laranjas que chupei na minha vida foram aquelas colhidas ainda molhadas com o orvalho da manhã, naturalmente geladinhas. As férias eram também o encontro com a família, montes de primas e primos reunidos inventando brincadeiras o dia inteiro. Muitas vezes, a distração consistia em simplesmente olhar para o céu, observar os desenhos que formavam as nuvens ou encantar-se com ele carregadinho de estrelas, sem a luminosidade de casas e postes atrapalhando. Éramos admiradores por excelência do espetáculo da natureza.

À noite, ouvíamos histórias ou observávamos os adultos jogarem truco, enquanto conversávamos entre nós. Gostávamos de pegar vaga-lumes e prendê-los em potes de vidro, para ver se clareava quando fôssemos para cama. Não havia luz elétrica e quanta falta me fazia um interruptor quando dava vontade de fazer xixi. Sem falar no banheiro, que não tinha. Xixi à luz de lamparina no penico que ficava guardado embaixo da cama é coisa para se lembrar pelo resto da vida. De manhã, depois de acordar, lá íamos nós, cada um com seu penico, jogar o xixi nas bananeiras. Devia ser um bom adubo, porque as bananas eram as mais doces que conhecíamos.

O tempo foi passando, os interesses foram se modificando e a gente crescendo. Hoje não passo mais férias na roça e, talvez, meu filho nunca venha a experimentar todas aquelas sensações. Até porque, já não se fazem mais roças como antigamente. Mas, como eu, ele também adora ouvir as histórias de seus pais e avós e, nem que seja na imaginação ele vivencia as minhas idílicas férias dos tempos de criança. Basta um “mamãe, me conta as histórias da roça” que, imediatamente, abre-se um novo mundo à nossa frente, um cenário de sonhos onde mãe e filho se encontram sem as fronteiras da idade e do tempo.