CACE COM AS BORBOLETAS...

É comum que, a pretexto de não cultivar sensibilidade, em defesa dos nossos cães raivosos que nos guardam a certa distância de tudo que nos emocione - digamos em voz alta: "vivemos numa selva de pedra, quem mais cães têm, mais protegido está". Será? Inquieta fica a pergunta inconsciente: Quem tem mais força, um pitibul ou uma borboleta? A razão, que quase sempre não está com a razão, dirá: "O pitbul, claro, idiota". Note-se que a razão é sempre mais raivosa e ignorante do que seu pitbul.

Nesta tal "selva de pedra" que vivemos, as borboletas com suas asas carregadas de sensibilidade, estão sempre em último plano. Quem ousaria caçar nesta selva com uma linda "morphidae" de asas reluzentes, divinamente pintadas de azul profundo? "O sábio ou o seu aprendiz, claro, minha cara razão". Não foi à toa que um mestre renascentista chamado Leonardo "sensibilidade" da Vinci, carinhosamente após uma pincelada e outra, refletiu: "Todo o nosso saber começa nos sentimentos". Homem de um extraordinário talento, Da Vinci foi grande em tudo a que emprestou a sua sensibilidade. Por isso, se notabilizou como pintor, arquiteto, escultor, engenheiro, músico, cientista brilhante, bem como um dos maiores inventores da História. Fez os seus estudos sob a orientação de um artista de fama, chamado Andrea del Verrochio, que, ao olhar um anjo que Leonardo pintou, o achou de tal forma superior às suas próprias obras, que nunca mais teve vontade de pintar. Vai ver Verrochio só andava com seus pitibuls.

Sentimentos... sensibilidade...sentimentos...até parece uma tentativa de Zanfir, fazendo ressoar da sua flauta de pan algo tão abstrato que desencoraja os fracos, os pitibuls a sentir e entender a verdadeira natureza de sua música.

Richard Connell, escritor americano, dividiu a nossa "selva de pedra" em dois gupos: "os caçadores e os caçados". Assim pensam os pitibuls - um mundo em que a realidade é mais forte que a imaginação, muito embora a imaginação seja o casulo da realidade. Vivemos demasiadamente a realidade que nos é imposta pelos ditos vencedores e suas guerras, que esquecemos de imaginar o quão prazeroso seria trocar os pitibuls pelas borboletas - e assim criar uma outra realidade, um mundo cheio de caminhos de flores para nossos pés descalços, totalmente desprovidos de armaduras. Armaduras para quê, se teríamos nossa "morphidae" a nos proteger?

Na atual realidade os pitibuls arrancam as flores ao menor sinal de sensibilidade, rosnam aos aplausos da maioria que grita: "Estamos certo, os outros estão errados". Por falta de sensibilidade esquecem que nada é mais duvidoso do que a certeza. Que fazem as borboletas? Estas escutam e choram ao ler o sábio conselho do poeta indiano Rabindranath Tagore: "Não arranques flores para guardá-las; continua caminhando e as flores alegrarão o teu caminho". Prontamente concorda com o escritor inglês Thomas Fuller: "Não há quem goste de flores murchas".

Para quem ainda duvida da força de uma borboleta e sua glamurosa sensibilidade a colher o néctar das flores mais formosas é só lembrar que Alexandre, dito "O Grande", só foi capaz de vencer exércitos adversários mais numerosos porque colocou em marcha suas borboletas - sua capacidade para saber que pitibuls não voam e por isso mesmo não conseguem enxergar que na imaginação está a maior de todas as armas - a liberdade para sonhar. Quem de nós pode sonhar, vencer e ser livre tendo pitibuls como guardas? É certo que somos mais que seus prisioneiros - somos seus escravos. Escravos da insensibilidade. Foi assim que Alexandre venceu o grande rei indiano Poro com seus elefantes - jogando-o contra a sua própria incapacidade de imaginar. Poro era prisioneiro da força de seus elefantes. Alexandre, ao contrário, era senhor da sua imaginação, de seus sonhos e de suas lanças macedônias. Ao capturar Poro, um verdadeiro Pitibul, Alexandre, ainda escutando a sua borboleta, lhe perguntou como gostaria de ser tratado. Poro simplesmente respondeu: "Como um rei". Eram palavras que Alexandre compreendia. E, em troca de sua lealdade, devolveu o reino a Poro.

Certamente amanhã sairemos novamente a caçar pela "selva de pedra". Façamos um teste, deixemos os pitibuls amarrados e soltemos aquela borboleta sedenta por néctares. Acompanhados de tão bela espécie talvez alguns digam que estamos desprotegidos, fracassados, mas... mas ao menor sinal de latido, frente a outros pitibuls sanguinários, creio que ela baterá suas asas, e pousando-nos na mais alta flor de uma castanheira, descortinará em nós a sabedoria do Tamulde Babilônico: "Sempre somos levados para o caminho que desejamos percorrer". E que grande caminho não estaremos nós agora a percorrer... O da pura sensibilidade que faz da imaginação sua própria história, transformando caçados e caçadores em flores e borboletas.


Moryan é escritor, palestrante e publicitário.
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