FALSOS BRILHANTES

Lembrei-me hoje de uma dessas coisas que aconteceram e deixaram uma lembrança indeletável (se assim se pode dizer).

Estudava a primeira série do ginásio. Era um colégio tradicional. Detesto dizer isto. Diretores para além de exigentes. Agora tudo a gente diz para além, depois de Mészáros.

Tudo bonito, brilhoso, encerado, espanado, organizado e tudo o mais. Aula de Geografia com a Professora Vilma (nome verdadeiro), já tem tanto tempo que não corro mais risco e nem preciso usar nomes fictícios.

Pendurado na parede da sala um quadro com a foto de uma professora antiqüíssima, solene, com uma blusa repleta de babadinhos descendo do pescoço até a cintura. Ficava ali olhando gravemente para os alunos. Mesmo morta e retratada não desistia da nobre profissão de educadora desvelada. E a gente temia mais a morta do que a viva. Esta também não era flor que se cheirasse. Basta dizer que tínhamos a obrigação de decorar até as vírgulas do texto do livro didático por ela adotado.

Do meu lado Maria das Graças (nome verdadeiro). Pela cara, corpo, cabelos, tecido da farda, beiço arrebitado, olhos de ironia e desprezo via-se logo, era uma burguesinha. Morávamos na mesma rua. Quando passava para as matinées, ali estava ela sentada numa cadeirinha de balanço, metida num vestido principesco. Em pé, ao lado, o irmão mais novo e único, um lordezinho. A mãe já vinha pelo corredor da casa, toda aprumada em trajes domingueiros para sair com suas pérolas.

Não eram filhos, eram jóias. Os vizinhos confirmavam com seus comentários bajuladores e invejosos. O pai aparecia em seguida formando a cena de uma família perfeita. Os dois irmãos pareciam bisquis. Eram as únicas crianças da rua que tinham velocípede. Quando Maria das Graças estava de bom humor emprestava o invejado brinquedo para os chatos vizinhos darem uma voltinha.

Muitas crianças passaram noites inteiras sonhando com aquela bicicletinha de Maria das Graças e acordavam chorando com a dura realidade. A menina ficou apelidada de Maria do Velocípede.

Maria do Velocípede ali sentada ao meu lado na sala de aula. Até me sentia importante em poder dizer que era colega da rica menina da minha rua.

Bem nascida e bem criada, ficava de olho duro na explicação da professora Vilma. Da minha parte, por mais educação que recebesse, era curiosa. Ficava fiscalizando cada gesto e expressão da minha colega. Achava tudo bonito e até a imitava um pouco. Menos na voz, fanhosa e arranhenta.

Nessa pesquisa de comportamento, eis que noto algo que me incomoda pelo brilho: os brincos de Maria do Velocípede. Eram brincos de diamantes, modelo anel solitário. Aquilo era coisa que só ricos de verdade possuíam. Minha mãe tinha jóias, mas acho que não gostava daquele modelo. O gosto dela não conferia com o meu. Lembro-me de um anel de pedra verde que depois descobri ser esmeralda, relógio social, trancelin, broche e pulseira em ouro.

Não só o brinquedo de Maria das Graças, agora eu admirava extasiada aquelas maravilhas faiscantes.

Puxei assunto sobre os brincos. Foram da avó, disse-me ela. Piorou minha situação. Mais invejosa fiquei. A única avó que conheci faleceu quando eu tinha cinco anos de idade e dela me recordo que fumava cachimbo e cigarros de palha. Que era linda, professora leiga, costureira e a única riqueza de que se orgulhava era ser prima de um dos presidentes da Província de Sergipe.

Para não ser humilhada a mais do que pelo velocípede, menti para Maria das Graças.

_ Eu tenho brincos iguais aos seus, foram da minha avó.