AME O PERIGO…

O pensador norte-americano Ralph Waldo Emerson, refletindo sobre o frágil fio condutor da existência, a vida, rascunhou uma quase incontestável afirmação: “Mal começa a vida, começa o perigo”. E pelo vislumbrar de nossas ações parece que passamos a vida inteira correndo do tal “perigo”. Antevemos as mais tresloucadas desculpas e preferimos a mansidão dos verdes campos a ter que enfrentar o menor dos perigos - o próprio perigo, uma oportunidade que a vida oferece para cada um, afim de que ele aperfeiçoe sua capacidade de vencer. Eis uma verdade perigosa, os fracos são tão medrosos que transformam uma taça de suco de uva no mais requintado vinho. Antecipam pra si um delírio vertiginoso nas areias tórridas das paixões e experimentam miragens cotidianas como se fossem as realidades mais prazerosas que a vida pudesse oferecer. Não fosse por medo de experimentar o verdadeiro vinho poderia se dizer que esta seria a fórmula mágica para uma vida feliz - “engane o perigo, finja-se de morto porque a vida é curta”. Quem diante do perigo hasteia esta bandeira branca e declara a paz, mesmo que fingida, não sabe o quanto é prisioneiro da tal felicidade que bebe os mais doces sucos de uva, mas que por destino e crueldade lhe é reservada a pior de todas as mortes - morrer sozinha, não morrer consigo mesma, morrer totalmente desprovida de uma taça de vinho-amor que só o perigo traz a quem se aventura a viver em penhascos cada vez mais altos.

Um pinheiro, o pinus aristata, que cresce a 3.000 metros nas White Mountains da Califórnia, tem 4700 anos de idade e sobrevive majestosamente porque soube enfrentar o frio gelado do inverno e a seca terrível do verão, extremos perigos, com uma tenacidade e persistência que o transformou numa árvore capaz de ancorar suas raízes tão firmemente na superfície rochosa que somente um terremoto pode deslocá-las. É lá de cima, com os troncos retorcidos, moldado pelo clima rigoroso e pelo solo reduzido que ele deliciosamente experimenta o sabor do fino vinho-amor, o glorioso vinho da vitória, observando os outros pinheiros que vivem nos verdes campos, mas que ao fingir fugir do perigo não enganam a morte precoce dos seus sonhos - não são capazes de vivê-los perigosamente, o suficiente para realizá-los. Realizar um sonho é escalar o penhasco mais alto, saltar-se sobre todas as adversidades.

O perigo é a flor do penhasco “onde a abelha suga mel, a aranha suga veneno” como sabiamente refletiu Thomas Draxe. Quem não se deixa ferir e temer pelo castigo da escalada, ao fim de cada jornada, após colher incansavelmente o néctar de 5000 flores e produzir uma única gota de mel? Uma grande conquista para quem não espera ser a vida uma caminhada curta, ao contrário, uma caminhada eterna em que cada passo deve escalar penhascos. É na verticalidade do pensamento, lá no alto, bem no alto de nossos desafios que experimentamos as conquistas mais apuradas da alma - o altruísmo. Por vezes deixamos que as feridas das escaladas abram-nos crateras no peito, se transformem em mágoas e acabem por nos fazer depositários de venenos ardis, então, já não escalamos os penhascos para lançar uma corda que resgate nossos inimigos, mas que sirva de guia a uma certeira guilhotina.

George Jacques Danton, advogado, político e revolucionário francês era um desses célebres amantes do perigo. Ao escalar o penhasco dos seus ideais ajudou a libertar a França da monarquia com a prisão do rei Luís XVI, em 10 de agosto de 1792. Danton e seus companheiros, Desmoulins, Robespierre e Marat, formaram uma assembléia nacional dos chefes revolucionários e um tribunal revolucionário. Estes dois grupos governaram a França durante três anos, período em que ficou conhecido como Reinado do Terror. Danton começou a discordar da violência, de tantas mágoas que comprometiam o movimento revolucionário, para ele não havia mérito algum chegar ali no topo só para soltar a corda da guilhotina. Robespierre então, ordenou sua prisão por deslealdade. Julgado, foi condenado e executado na guilhotina. Certa vez, convicto de que o sofrimento que lhe era imposto era insignificante frente a sua consciência, pronunciou: “Muitas vezes a testa que esperava uma coroa de louro se vê ensangüentada por uma coroa de espinhos”. Danton preferiu, para a sua morte, mais um perigo fatal, a lâmina afiada da guilhotina de seu executor - uma grande vitória para quem amava a eternidade dos seus ideais. Os fracos teriam preferido a coroa de espinhos, cuja testa não seria a sua.

Daniel Defoe, novelista inglês, autor de “As Aventuras de Robinson Crusoe” lá de cima do seu penhasco náufrago certa vez gritou para o abismo do mar e suas ondas revoltosas: “o medo do perigo é dez vezes mais terrível que o próprio perigo”. Digamos então ao perigo: “Eu te amo”. Os amantes fazem pactos. Ame o perigo e faça um pacto que o leve a ser o “pinus aristata” - que lá do alto cobre-se de nuvens para escutar a voz da vitória, a voz de Deus.


Moryan é escritor, palestrante e publicitário.
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