TRANSFORME ÁGUA EM MARTINI…

Qualquer bebida do mundo colocada num desses copos de requeijão perde não só a sua elegância como a sua característica. Colocadas lado a lado numa profusão de cores e observadas de longe elas deixam exalar um arco-íris invisível, cujo aroma é capaz de despertar poesias à altura de Vinícius de Morais, acompanhado do seu inseparável cachorro engarrafado - era assim que chamava o seu copo sem fundo, largamente cheio de seu uísque predileto - porém sem a sua assinatura, pois o autor de Garota de Ipanema seria incapaz de reconhecer a sua bebida favorita. Até mesmo o polêmico Oscar Wilde flertando com seu absinto não teria dito: “Uma taça de absinto é tão poética quanto um pôr-do-sol”. E ainda: “Depois da primeira dose você vê as coisas como gostaria que fossem. Depois da segunda, vê as coisas como elas não são. Finalmente, passa a enxergar as coisas como realmente são, o que é a pior coisa do mundo”.

Só uma bebida poderia desafiar o “qualquer” acima. Ela já proclamou títulos de muitos reis e rainhas e até hoje é o “must” para muitas elegantes personalidades, como a consultora de moda Costanza Pascolato, que não a dispensa do seu nécessaire. O que faz o bom de copo ou de taça reconhecer este drinque a metros de distância, por incrível que possa parecer, não é a sua textura, aroma, cor, teor alcoólico, etc… É um detalhe, um pequeníssimo detalhe que nos faz ser capazes de identificar sua verdadeira natureza. Falamos é claro da deliciosa cereja, com ela até mesmo um copo com água ou cachaça passa por um legítimo Martini.

Chegamos a um ponto crucial em nossa sociedade - o do conhecimento burro - onde todos usufruem a mesma informação como uma platéia que só aplaude ou vaia, sem se importar com a cortina que se abre e se fecha a toda hora. Na vida o homem deve ser seu palco, seu teatro e seu aplauso, ator de sua própria peça - esta que ensaiamos todos os dias sem trégua e que só nos traz felicidades se regada a Martini com cereja. O bom ator sabe que o detalhe da cortina é mais importante do que a peça inteira - é ele que descortina sua alma e coloca todo seu aprendizado para dançar, cantar, enfim celebrar seu riso ou suas lágrimas.

São os detalhes que promulgam o sorriso de uma flor que, pela manhã ao receber o orvalho, já se esqueceu da tempestade noturna - simplesmente porque agora observa atentamente a abelha que, mesmo com gigantes ferrões, lhe acaricia. Eles não fazem só a diferença frente ao conhecimento burro, revelam também o quanto temos em estoque a sensibilidade e aperfeiçoam assim a única força que abre as portas para o caminho de dentro - a reflexão de nossos erros e acertos.

A maior conquista de quem coleciona “detalhes” é estar sempre em alerta para cada passo da cavalgada que o conduz a campos férteis, onde colheitas de conquistas são abundantes. Diz um provérbio espanhol: “Por um cravo se perde uma ferradura, por uma ferradura um cavalo e por um cavalo um cavaleiro” e conclui-se em Eclesiástico, 19-1: “… e aquele que despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá”.

O homem de hoje é um fugulrante e figurante cor nesse arco-íris de bebidas doces e amargas, um auto-aleijado de sua condição primária que é viver cada momento não como se fosse o último, mas como se fosse o único, ao sabor da cereja que sela o fim do Martini com um gosto de paixão pela vida, censurada pelos ditos senhores que lutam para se apoderar de nossos destinos.

Quem se embriaga intensamente com cada detalhe da vida, a qualquer altura de sua dúvida em discernir o seu drinque, posto à mesa com outros, mesmo em copos de requeijão, sabe que só a cereja pode salvá-lo da escolha infeliz de beber o vazio do copo.

O primeiro milagre de Jesus foi transformar água em vinho, o seu será hoje mesmo fazer toda a água da vida, que verte aos prantos e vive lhe afogando, virar Martini. Como? Coloque mais cereja em sua vida!


Moryan é escritor, palestrante e publicitário.
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