JOGUE PARA PERDER...


Desde o nascimento somos ensinados que nada é mais infame quando comparado a uma derrota, nem mesmo a covardia e a violência. Os arautos salvadores de todas as sociedades codificam seus ensinamentos de forma idêntica - constroem um chip neural à base de argumentos tolos, onde questionar está fora de cogitação. Aleijado de seu privilégio maior - a faculdade cognitiva, o feroz homem da criação e evolução se transforma numa marionete de uns poucos ditos iluminados. Estes pretensiosos senhores implantam o tal “chip”, uma verdadeira eugenia psíquica, que irriga todo o vasto campo de pensamentos com a idéia fixa de que custe o que custar, vencer deve ser causa ímpar em nossas vidas. E o que fazemos? Claro, como afortunados de tanta obediência, escravizamos e matamos nossos ideais. Nossas escolhas muitas vezes poderiam significar uma derrota para nossos pais, amigos, professores, enfim, para nossos ilegítimos donos que nos guiam pelo manual, já desbotado, que receberam de suas gerações, agora mais sofisticados usam um controle (não muito remoto assim) conectado ao “chip vencedor” para acessar a televisão, o rádio, o cinema, o jornal, a internet… e o pior de todos os carcereiros - o boca-a-boca, verdadeiro chicote do ego que limita nossos prazeres e opiniões ao duvidoso gosto da maioria.


Costumamos dizer que a vida é um jogo, eis mais uma triste ilusão. Jogo pressupõe adversários, o mínimo de duas idéias, argumentos e o essencial - liberdade para fazer jogadas. E quantos de nós podemos ensaiar táticas sem o olheiro desse grande “Big Brother (o tal chip)” a nos exigir vitórias cada vez mais esmagadoras? Melhor não arriscarmos… olhe o meu “Big Brother” ordenando.

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Estas seculares perguntas do homem só poderão ser respondidas, em sua seqüência kantiana, se primeiro extrairmos o tal “chip Big Brother”. Esta sim, uma verdadeira guerra troiana, mas que para nossa felicidade tem seu calcanhar de Aquiles - a incapacidade do nosso “Big Brother” de jogar para perder. Quem só joga para ganhar é incapaz de pensar que, por detrás de uma vida despojada de toda rica matéria e seus eloqüentes holofotes, esconde-se um triunfal espírito que se importa com todos os significados que representam sua missão terrena… e mais…o que ele realmente quer fazer com seu precioso presente divino - a vida doce vida!

Podemos transformar a vida num jogo com uma jogada de mestre, ao sermos capazes de aplicar um xeque-mate sem mover uma única peça nesse grande tabuleiro de intricadas dúvidas existenciais. Vencer o jogo sem jogar, esta foi a façanha de Séssa, matemático persa do séc. IV. A pedido do rei, que se sentia entediado, ele inventou o jogo de xadrez. Muito satisfeito o rei quis recompensá-lo e disse-lhe que podia pedir qualquer coisa. Foi nesse momento que Séssa jogou para perder e ganhou uma fabulosa fortuna. Que fez nosso inventor? “Majestade, respondeu Séssa - ficarei satisfeito se me der um grão de trigo para a primeira casa do tabuleiro, dois para a segunda, quatro para a terceira, e assim por diante, na mesma proporção até a 64ª casa”. O rei, com o seu “Big Brother” acostumado a grandiosidades, considerou o pedido pequeno demais e ordenou que fosse atendido - pronto, acontecia o primeiro xeque-mate da história. Quando as contas foram feitas, verificou-se que o total (da progressão geométrica) a ser dado ao inventor seria de 18 446 744 073 709 551 615 grãos! Colheita equivalente a oito superfícies da terra literalmente semeadas de trigo. Sendo impossível atender ao pedido, o rei premiou Séssa com uma invejável quantidade de moedas de ouro.

O cotidiano está cheio de reis tolos - são problemas, dúvidas e melancolias que parecem ser intransponíveis quando deixamos nosso “Big Brother” agir com os seus padrões pré-fabricados. Como Séssa, podemos vencer todos os jogos sem jogar. Nossos adversários não estão acostumados a gentilezas porque as acham pequenas demais. Deste modo, oferecer uma flor a quem nos odeia pode significar um grão de trigo que alimentará o amor, nos tornando férteis em tolerância, persistência, humildade, onde outras cores, além do preto e branco das intransigências existem para colorir nossas telas do dia-a-dia, sempre carentes de um poema... um haicai livre - simples, profundo e inspirador como: Sou meu jogo perdedor / Tolos senhores e suas regras / Não imaginam como sou feliz / Ser só eu / Meu destino, minha luz.



Moryan é escritor, palestrante e publicitário.
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