O ESPELHO, A MOSCA E A ARANHA.
...MEUS MESTRES PERFEITOS!


Nossas vidas, indevidamente acompanhadas pelas ofegantes conquistas inúteis, estão sempre numa busca frenética, sempre esperando alcançar trajetórias cada vez mais distantes do nosso próprio centro. Às vezes estes rumos são tão desconheidos que nos perdemos num emaranhado de clássicas suposições à cerca do real objetivo da vida. Debruçado sobre todos os ditos manuais de vida, expostos como triunfantes torres de papéis nas grandes estantes do mercado, eis que descubro boquiaberto - a maioria dos gurus querem que eu seja a gota perfumada do limão das suas maioneses, cujo sabor genuinamente homo-sapiens é uma mistura de dinheiro, profundamente apimentada por receitas ao gosto do freguês - ora a religião, que já não religa coisa alguma, ora qualquer uma daquelas filosofias que pregam que Deus é um amontoado de excrementos - sim, pasmem, podemos comprar “Este” em qualquer esquina, até mesmo nas padarias mais sujas e depois sem mais nem menos grosseiramente “expulsá-Lo” nas latrinas, tudo isso sem a menor dor de consciência - afinal sempre temos “Outro” exposto no supermercado mais próximo ou no manual de um dito mestre - ao alcance a qualquer hora, em qualquer lugar, impiedosamente sempre, sempre querendo ensinar que todas as buscas devem alcançar os valores por eles pregados à ferro e ao mais ardente fogo - suas miseráveis suposições, suas miseráveis conquistas que nos ergue o ego como o troféu mais cobiçado.

Todos os manuais são enfáticos - o objetivo da vida é colher o seu fruto mais importante, a felicidade. Assim, salvo raríssimas exceções, ditam em uma uníssona voz a cortar gargantas: “Para ser feliz é preciso dar a César, ao bispo, ao guru, ao vizinho, ao papai, a mamãe e a todos os traidores o que são de direito - completa alienação”. Só então conquistaremos o almejado topo ao custo de bárbaras chicotadas.

Como incansável peregrino de minha jornada não desisto e vou em frente, alguma coisa há de se salvar. Sentado ao chão da minha biblioteca retiro da derradeira estante, quase rasteira e mofada, uma jóia extremamente lapidada, palavras carregadas de sentimentos verdadeiros e que me indicam outra direção para alcançar o cume, abundantemente entronado de felicidade: “A sabedoria não é mais do que a ciência da felicidade” (Denis Diderot, filósofo francês). Eis-me aqui emocionado… quando pensava já estar na boca dos leões gurus, predadores contumazes de almas perdidas - nada ensinam sobre a sabedoria, apenas receitam bolos de caixas, cujo paladar é de baunilha, cheia de vãos estereótipos em que nada mais podemos ser, restando-nos o contentamento de seguir modelos. Acordado pelo grito de Diderot, reúno as últimas forças e me ponho a folhear vorazmente tal descoberta. Logo adiante sou recompensado pelo poeta italiano Ugo Foscolo: “Eis três fundamentos da sabedoria: ver muito, estudar muito, sofrer muito”.  Confesso ao primeiro momento voltei a ficar perdido… VER MUITO, ESTUDAR MUITO, SOFRER MUITO…De todos não conseguia compreender o terceiro, SOFRER MUITO. Como Poetas refletem seus inversos, seus espelhos, resolvi considerar-me diante do meu próprio espelho - a vida. Assim a reflexão de Foscolo se reordenou de forma brilhante e reveladora: “SOFRER MUITO, ESTUDAR MUITO, VER MUITO”. Só então percebi que chegava ao fim da primeira fase… meu sofrimento havia acabado, minha busca havia se revelado. Faltavam-me agora ESTUDAR MUITO E VER MUITO.

Trazida pelos longínquos ventos, entra na biblioteca uma mosca pousando sobre a mesa, instantaneamente atordoou-a com um tapa e resolvo vê-la agonizar sob uma lupa. Percebo, pela experiência de entomologista, tratar-se de uma mosca tsé-tsé. Ao contrário da maioria dos insetos que gera uma prole numerosa e depois deixam as larvas defenderem-se sozinhas, as moscas tsé-tsé criam uma larva de cada vez, dispensando um cuidado tão grande que praticamente todas sobrevivem. Avisa-me a consciência que este deve ser meu alerta para a segunda fase da sabedoria - CRIAR UMA LARVA DE PENSAMENTO DE CADA VEZ E A ELA ESTUDAR MUITO. Quando o pensamento nascer será um ideal tão forte que será para os ditos gurus e suas falsas bíblias, o que as moscas tsé-tsé são para os africanos - uma praga.

Perseguindo a solitária mosca, chega, pela porta entreaberta uma aranha papa-moscas. Se uma aranha já causa espanto, imagine esta que tem oito olhos, uma ulravisão de quase 360º. Seis olhos pequenos e dois grandes. Seus olhos menores são os mais capazes e enxergam a vítima com uma precisão milimétrica, afim de que seu salto equivalente a 40 vezes o seu tamanho possa premiá-la com uma infalível captura. Novamente avisa-me a consciência, assim deverá ser a terceira fase por vir: “MUITOS OLHOS PREMIARÃO SUA FACE, OLHOS PEQUENOS E GRANDES. DÊ ATENÇÃO AO QUE OS OLHOS PEQUENOS ENXERGAM. ELES ENXERGAM O NÉCTAR DA SABEDORIA - A VERDADEIRA FELICIDADE”. Reflito o alerta e vejo com os pequenos olhos o tesouro escondido dos ditos mestres - seus grandes olhos a devorar-me pela vaidade de achar que poderia comprar minha sabedoria com suas bulas papais ou mundanas o suficiente para corromper-me a alma.

Antes de sair do prazeroso manancial de letras - biblioteca da vida, em que mistérios, dramas e comédias se revezam, ora em folhas desbotadas, ora em outras ainda vívidas e perfumadas, atento-me para uma frase que tempos atrás na minha procura através das fábulas do filósofo escravo Esopo, havia afixado na parede: “É inútil a sabedoria, depois da desgraça”. Mas que outra desgraça maior haveria de ter senão a de desconhecermos o objetivo da vida?

Moryan é escritor, palestrante e publicitário.
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