Partilhas

A luz era branca. A tarde era morna. Íamos pela beira-mar sem darmos as mãos. Já não dávamos as mãos nessa altura. Lembras-te. Eu sei que nada esqueces. Apenas não reparavas nos mesmos pormenores que eu. E se tu amas os pormenores. Apenas não eram as mesmas singularidades que me faziam perder em pensamentos. Ficava distante de ti. Passava a vida alheada. Nada do que me dizias me poderia interessar. Eu já não era dali. Não era tua. E sabias. Não te dava muita paz. Naquela tarde junto às ondas que vinham descansar na areia por breves segundos, partilhávamos o ar morno do fim da tarde pois já nada mais havia a fazer. Senão aproveitar o momento. Todos os momentos são preciosos e isso era a única coisa que tínhamos em comum. O momento. O degustar da raridade. O gosto do detalhe. Ainda que fossem particularidades diversas. As rochas eram minhas. As gaivotas eram tuas. Os gatos eram meus. E assim se faziam as partilhas entre nós que em breve estaríamos apartados para sempre. Bebia um gin tónico na esplanada e tu uma água com gás. Bolinhas de sabor distinto. Porque já éramos distantes. Foi acontecendo assim a separação de quem era há muito separado. Unidos tínhamos sido embora que leve e fugazmente. Tão efémero foi o acordo que não poderia ter sido mais inverosímil a consequência. Um filho.
AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 16/03/2009
Reeditado em 16/03/2009
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