O SOM DA LÁGRIMA

Até o silêncio tem o seu som que, de tão intenso, torna-se a sonora melodia que acorda a alma para uma dimensão escondida ou esquecida em nós. Às vezes sua perfeita camuflagem inaudível é uma armadilha a nos confundir solidão com estar sós, reflexões com pesadelos de um passado ou presente remexidos por lembranças que a todo o momento desejam vingar suas mágoas.

Tudo tem seu som, seja pelo beijo ou pelo tapa. O maestro a comandar a orquestra das nossas relações não poderia ser ninguém menos do que o famoso “orgulho” - ele com sua batuta abre o show da vida todas as manhãs e à noite, em grandioso espetáculo, faz uma pausa para os sonhos ou pesadelos. Quando não tocamos certa a partitura do pseudo-sucesso durante o dia, causa rotineira e lição obrigatória dos infelizes, à madrugada somos impiedosamente calados pela insônia das responsabilidades assumidas, trancafiados em armaduras que a pretexto de nos servirem de defesa, imobilizam nossa capacidade de reconhecer o quanto bem tocamos sozinhos e mais criativos somos quando desafiamos este mestre das valsas de uma nota só - a insensibilidade que nos leva a ser verdadeiros assassinos de almas. Santo Agostinho costumava dizer: “As lágrimas são o sangue da alma”. E quantas já não fizemos sangrar pelas lanças afiadas das palavras irrefletidas ou gestos mecânicos, traiçoeiros e oportunistas? E quantas também já não nos causamos, simplesmente porque não ousamos recusar a tocar o réquiem daqueles que fazemos inimigos? Participar da orquestra que nos conduz a compor nossa própria música requer mais… muito mais que a ousadia de desafiar o maestro - requer ouvidos apurados, capazes de escutar o som da lágrima, assim a cada golpe na alma poderemos ouvir seu grito, sua agonia, sua fome, sua sede e sua súplica por trégua, perdão ou misericórdia.

A voz, violino de cordas divinas, tanto serve ao chicote da língua para causar a tristeza e evocar a ira, quanto a um equilibrado pensamento altruísta que significa a alegria e a vitória do homem sobre o seu próprio câncer terminal e germinal - a síndrome da relatividade egoísta. Nunca achamos que somos egoístas o suficiente para precisar de uma mudança na rota do amor. Preferimos a impostora surdez dos sentimentos a ouvir o som da colisão de muitas lágrimas com a esperança quase morta de milhões de mãos desesperadas, aquelas que todos os dias nas esquinas, no trabalho, na família, esmolam compreensão, gentileza, amizade, carinho e perdão.

Seja tudo que nasce ou que ao mesmo instante morre, seja efêmero ou duradouro, esta é a certa conclusão, todo sentimento tem seu som que assusta ou cativa, faz-se alerta ou sem guarda.

Beethoven cultivava a maestria de ouvir os sons da alma, por isso ficou surdo para o mundo da matéria. Privilegiou-se aos sons da voz interior e sabiamente compôs suas melhores obras depois de totalmente surdo. Sua última sinfonia, a nona, termina com famosa “Ode à Alegria”. Certa vez um violinista queixou-se de que a cadência que ele havia escrito não podia ser executada, e o grande compositor respondeu: “Como posso me preocupar com suas limitações humanas quando estou tentando falar com Deus?” Talvez o som da lágrima seja uma cadência impossível de ser escutada enquanto estivermos tentando falar de homem para homem, mas como Bethoven, podemos tentar falar diretamente com Deus e com Ele superarmos as limitações das nossas crenças para tocar a maior de todas as sinfonias - “O SOM DE AMAR VERDADEIRAMENTE AO PRÓXIMO COMO A SÍ MESMO” seguida claro, do “SOM DA LÁGRIMA FELIZ”, por ter enfim descoberto o maior segredo da vida: É escutando o som das lágrimas dos outros que aprendemos a ouvir as nossas como gargalhadas.


Moryan é escritor, palestrante e publicitário.
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