EXPULSE DEUS DO PARAÍSO...

Quem em frente ao espelho já não se atreveu a responder a esta pergunta com o disfarce corriqueiro dos camaleões: “Por que sofremos?” Já teríamos, desde o nascimento do primeiro homem, libertado a existência dos grilhões imaginários… se… se ao invés de olhar para o espelho… se… se ao invés de olhar para fora, naquele momento especial a coragem de se conhecer por inteiro vencesse a covardia de enfrentar o fantasma da madrasta da Branca de Neve - Somos todos… todos… aquela madrasta, dia-a-dia precisamos daquele espelho. “Espelho meu, espelho meu existe alguém tão eterno quanto eu?” O medo que ele se quebre é tanto que acabamos por endeusar tudo. Um sentimento surgido para durar horas transforma-se num prisioneiro eterno - insistimos que ele volte todos os dias. É desta forma que somos infelizes, o sentimento de ontem já não está hoje, mas insistimos para que aquele alguém de ontem nos ame a qualquer preço. Eis a causa do nosso sofrimento: QUEREMOS TRANSFORMAR O EFÊMERO EM ETERNO. Para isso usamos os espelhos, eles não podem responder o que neles não se reflete. A cada pergunta todo o lixo que misturamos aos sentimentos é divinamente preservado - algo que poderia ser facilmente declarado a nós por meio da própria consciência é tragicamente transferida para os espelhos de Deus que criamos. O Deus família, o Deus religião, o Deus sociedade. Com esta trindade a nos vigiar quem ousaria a delegar-se uma responsabilidade de quebrar todos os espelhos, enxergando do outro lado apenas um túnel escuro, cuja principal missão não seria descobrir se ele teria ou não um fim - a missão seria voltar a enxergar de fora para dentro, vendo aos poucos que um minuto vivido sem Deus é uma eternidade completa - é a vitória do amor sobre o medo, uma vitória a premiar-nos com o paraíso em nós. Enquanto Deus estiver sendo refletido em cada espelho do cotidiano, toda experiência será um caminho para a dor, será uma eternidade perdida. Nos espelhos Deus é como um policial vingador, mesmo que de algum modo nossos corações entoem louvores - serão cânticos de medo disfarçados em letras amáveis. Quantos de nós não vamos à missas, cultos… por puro medo de ter que enfrentar os espelhos sem brilho algum? Podemos sair de uma missa, matar e ainda assim sentir o êxtase de uma pseudo-felicidade em nossos poros… enfrentaríamos dali por diante a justiça do homem, mas teríamos cumprido o trato com o nosso medo - a missa de todos os domingos teria sido assistida, e pasmem, mais uma vez não seria nossa a responsabilidade de acatar o erro e a punição, o perdão de Deus estaria ao alcance com uma simples Ave Maria ou Pai Nosso.

Uma flor nasce a cada segundo, outras morrem. Ambas perfazem um ciclo e cada momento desse grande círculo de vida e morte é como disse Goethe: “um momento de valor infinito, porque representa uma eternidade inteira”. Desperdiçamos “eternidades inteiras” por conta da insistência dos espelhos de Deus que criamos. O fundador da psicologia social, o francês Gustave Le Bon, um dia saindo da missa resolveu enfrentar seus espelhos. Ao quebrá-los uma sábia reflexão foi seu escudo, e para sua felicidade, eterno defensor de seu paraíso: “O homem, limitado pela natureza ao efêmero, sonha a eternidade. Elevando templos e estátuas, dá a si próprio a ilusão de criar coisas que jamais perecerão”. Mais… o homem dá a si próprio a enganação de ser pecado viver uma eternidade inteira na profusão efêmera de cada momento. Não precisamos querer transformar o efêmero em eterno - a eternidade da efemeridade é a intensidade do momento vivido. Sugada toda a eternidade do momento, nada nos poderia causar sofrimento, pois a lembrança de todos os momentos seria a certeza de que Deus não habita nenhum paraíso criado pela artificialidade dos espelhos, incessantemente nos observa de fora para dentro - e por ter vivido a intensidade do momento, ele estaria em nós, comungando a vida e a morte, irmãs gêmeas que conduzem a felicidade ao homem, que de boa vontade amou construir seu paraíso sem inventar o perdão de Deus, ousou resgatar no exercício diário da causalidade a responsabilidade de suas ações - esta glória de assumir-se para ser livre no arbítrio da própria semeadura.

Quanto antes expulsarmos Deus do paraíso dos espelhos, mais cedo herdaremos sua luz que ilumina o caminho para a eternidade. Eternidade que recomeça a cada piscar de olhos, a cada túnel revelado em nós pela dor que causamos a nós mesmos quando esquecemos que o “próximo” é senão Deus que nos observa de fora para dentro.

Moryan é escritor, palestrante e publicitário.

Visite:

www.moryan.com.br

www.moryanblog.com.br

E-mail: você@moryan.com.br