Sonhos...

Há um local secreto dentro de mim que só ocasionalmente revelo, mesmo às pessoas que me são mais íntimas, e esse local onde ninguém entra eu chamo de sonhos.

São todos, sem excepção, bonitos, não possuem nada de sigiloso, e só não os mostro com mais assiduidade porque são a única coisa que eu posso chamar realmente minha, e por isso preservo tal como o maior dos tesouros, dos meus tesouros.

E depois há aqueles sonhos que são diurnos, que estão directamente ligados a desejos e ambições que controlo perfeitamente e que uma vez por outra consigo alcançar, sonhos que duram para sempre, a menos que sejam concretizados, dando então lugar a novos sonhos, e há também os nocturnos, os mais soltos, os mais livres, sobre os quais não possuo qualquer tipo de controlo e que só muito pouco recordo detalhadamente como é apanágio dos sonhos nocturnos de toda a gente.

Em termos criativos, ou literários neste caso, os que fornecem mais material são os nocturnos, pois apesar de serem evanescentes, quando valem a pena, ando dias a fio mergulhado neles e só o tempo ou a descrição deles faz com que o seu delicioso sabor se dilua lentamente, sendo então ocupados por outros especiais. Infelizmente esta categoria é tão escassa como água no deserto, mas quando tem lugar…vos garanto que valem por mil dos outros sonhos das duas categorias.

Nesse lugar único acontece um pouco de tudo, desde o romantismo mais ousado à ficção científica mais visionária a loucas e quase delirante viagens temporais que no mesmo espaço por vezes misturam diferentes épocas tão dispares como o mundo romano com os anos 70 do século 20, a década em que nasci.

Por vezes sonho com o meu avô, o maior dos meus mestres, falecido em 1991, sonho que o encontro e então tenho longas conversas com ele, conto-lhe como estou o que faço na actualidade e como a família cresceu e prosperou, sinto que de facto ele aparece e por isso o coloco a corrente das novidades, como se fosse um interlocutor entre o seu e o meu mundo.

Uma das minhas maiores ambições seria viajar no tempo para conhecer “in loco” a história que é a minha disciplina favorita, mas como não consigo ou conseguirei tal, das duas uma, ou escrevo romances históricos, ou o meu subconsciente faz-me o favor de se projectar quando durmo e de me possibilitar essa viagem, como aconteceu aqui há dias, quando num local imaginário me encontrei com três personalidades anónimas, daquelas que não vêm na história, mas sobre a qual é feita a história da humanidade. Ele, um jovem americano nascido nos primórdios do século 20, vestido à época, muito simpático que falava um pouco de português porque havia um comerciante na sua rua luso que era seu amigo e que lhe ensinava um pouco da minha língua, o suficiente para me entender com ele; vinha acompanhado da sua esposa que se exprimia quase silenciosamente em inglês, pelo que tive que falar em duas línguas, sendo que nem mesmo em sonhos o meu inglês é muito famoso, e por isso tive uma certa dificuldade em lhe explicar que vinha de 2009 e tudo quanto rodeava esta disparidade temporal…Eles queriam continuar a conversa e encontrar-se comigo mais vezes, mas sabiam que isso era impossível, porque os sonhos são aleatórios e porque quando eu tivesse nascido eles já teriam morrido há alguns anos…Mas também eu queria saber como tinha corrido a sua existência, como tinha vivido, se teriam sido felizes para sempre. A meu pedido deram-me então o seu nome, o nome familiar com que tinham baptizado os seus dois pequenos filhos, nome que anotei num papel, ficando a promessa de os tentar encontrar a sua família quando acordasse…Infelizmente o papel era virtual e eu quando acordei já não me lembrava do nome, ficando no entanto a recordação duma certa nitidez da cara deste casal, de tal forma clara que ainda demorarei meses a esquecer…Ao mesmo tempo que mantinha a conversa com eles apareceu uma mulher da mesma idade que sabendo que vinha do futuro dela me colocou uma dúvida relacionada com uma profissão que já exerci…Sentia o tempo a passar e estava mais interessado na conversa com o casal, pelo que lhe perguntei em que ano ela vivia, e ela respondeu em tom antipático “1969”; ok…com um bocado de sorte ainda estaria viva quando eu estivesse a trabalhar, pelo que lhe pedi para dai a 30 anos se encontrar comigo no local onde comecei a minha carreira de Assistente Social, apesar dela me afiançar que a questão era muito urgente, tentei responder-lhe, mas…de repente eu acordei…Ainda tentei adormecer para regressar ao convívio daquelas 3 pessoas, mas em vão, de tal ordem que me vi na necessidade de escrever esta crónica para não me esquecer delas e porque durante a tarde não pensei em mais nada, não me consegui concentrar em mais nada, apesar de ter imenso para fazer.

E quando acordei não me lembrei de nenhuma mulher com as características dela que se tivesse encontrado comigo em 1999, e das duas uma, ou o sonho não passou disso ou ela não quis, ou não pôde comparecer ao encontro…

Quanto ao casal…a falha do nome faz com que a pesquisa seja inútil…

Sim, apesar de católico, acredito tal como as antigas culturas chamadas pagãs que os sonhos possuem algo de mágico, e por isso os procuro durante o dia, acredito que eles se podem prolongar para a realidade, apesar de nunca até hoje tal ter acontecido, há algo que me diz que essa não é uma impossibilidade, isso é algo que poderá acontecer, um dia, um dia se calhar no futuro, e por isso, tal como os de dia, persigo este tipo de sonhos…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 15/03/2009
Código do texto: T1487838
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