Minha experiência com a língua francesa

Numa época muito remota, não tínhamos como escolher. A partir da quinta série do primeiro grau, acho que deve ser atualmente o sexto ano do Ensino Fundamental; fazia parte da grade curricular a matéria Francês. Matéria? Era assim que denominavam cada disciplina.

Estávamos apreensivos. Será que iríamos aprender ou essa seria uma daquelas matérias que reprovavam? A apreensão transformou-se em choque. Porque na primeira aula da desconhecida matéria entra aquela que seria nossa professora. Tinha os cabelos ouriçados,pintados de vermelho. No rosto uma forte maquiagem; daquelas que usam os transformistas: Sombra cintilante, uma grossa camada de base, cílios com muito rímel, um batom numa boca que parecia um amontoado de carne. Alta, ombros largos, quadris estreitos. Roupas cintilantes, e com grandes estampas, tamancos altíssimos. Gente imagine a cena!

Os alunos de olhos arregalados e boca escancarada. Nunca tínhamos visto uma figura como aquela. Cada dia dos três anos que estudamos com ela, era uma surpresa atrás da outra.

Descobrimos que ela tinha um gosto, digamos bem moderno para a época. Hoje ela ainda seria considerada uma figura digna de comentários nada elogiosos. Imaginem isso em 1975-1985? Nossa professora de francês assustava pela sua extravagância. Tudo nela era demais; até no que respeito e carinho para com os alunos.

Nunca foi compreendida. Era motivo de chacota entre os alunos e até por parte dos colegas de trabalho. Lembro que um dia numa festa de inauguração de uma escola, tava todo mundo ¨dentro dos conformes¨; surge nossa professora de cabelos pintados de loiro-prata, cortados, mais ouriçados,parecendo um ninho de gravetos. Todos disfarçaram para esconder o riso. Eu tinha onze anos, mas pude perceber o olhar de espanto da diretora, e o cochicho que ela deu para um professor que estava sentado ao seu lado.

Durante todo ritual de fala Governador, vereador, secretário de alguma coisa davam seus longos discursos. Olhando para a professora, pude perceber que a maquiagem derretia. Quanto mais ela se abanava com um leque, mais os quilos de uma mistura de sombra, base, batom e rímel desciam. Ela chegou a usar uns guardanapos, mas o estrago estava feito. Na hora dos cumprimentos... O olhar das autoridades... Apertavam a mão da nossa professora, mas ao mesmo tempo tentavam não olhar para o seu rosto que estava todo borrado.

Quando revelaram as fotos, a figura da nossa professora se destacava entre as demais.

Mas não quero lembrar apenas do seu jeito esquisito de se apresentar. Ela era uma pessoa muito boa e insistia conosco para que não desistíssemos de aprender aquela língua tão bela. Depois de muito insistir, aprendemos, mas só um pouquinho.... Hoje ainda guardo o livro, que por sinal consigo ler praticamente cada página.

_Est-ce um banc?

_Oui, c¨est um banc.

_Um homme, une femme.Un livre, une chaise

_De quelle couleur est le tableau?

_De quelle couleur est le mouchoir?

Respondíamos com muita alegria:

_Este é um banco?

_Sim, este é um banco.

_Um homem, uma mulher (fêmea). Um livro, uma cadeira.

_Qual é a cor da mesa?

_Qual é a cor do lenço?

Ela continuava:

_Le livre est:

_La robe est:

Respodíamos:

_Le livre est rouge.

_La robe est jaune.

Aula de texto:

¨_Toc!Toc!_Entrez!_Bonjour, Monsieur._Bonjour, Hélène. Fermez la porte, s¨il vous plait.

Era para sairmos da sala.fecharmos a porta, pra depois dar duas batidas:

Ela respondia:

_Entre! Bom dia! Bom dia, Helena. Feche a porta, por favor.

Divertíamos-nos muito. Ela amava o que fazia, e por isso dava aula com prazer.

Até hoje não lembro o significado do Mousieur.

Insistia na importância de fazermos biquinho. Era uma aula onde nos dobrávamos de tanto rir. Ela não nos repreendia, aproveitava o momento para descobrir quem fazia o bico mais perfeito, e aí usava esse aluno como modelo. Nós claro, caíamos feito pato na lagoa!Inteligente essa professora. Fazia uso da psicologia para alcançar alvos.

Provavelmente deve não estar mais entre nós, pois na época já tinha mais de quarenta e cinco anos. Já se passaram uns trinta e cinco anos. Ma se ela tivesse viva, e eu pudesse ficar frente a frente, lhe diria:

_Perdoe essa aluna que não soube lhe aceitar com esse seu jeito de ser. Era estranho, mas isso não me dava o direito de ¨mangar, e até, com vergonha confesso, não desejei ser sua amiga. Por tê-la ignorado deixei de perceber sua beleza interior. Não tenho orgulho do que fiz.

Uma lição tirei dessa triste experiência: nenhum ser humano tem o direito de julgar à primeira vista. Muitos chegam até afirmar que a primeira impressão é a que fica. Hoje não concordo com esse ditado popular. Ninguém pode ser conhecido no primeiro contato. É preciso usar de prudência porque qualquer relação não começa de um dia para outro.

Observemos a relação entre pais e filhos? E a relação entre um homem e uma mulher? Lembra quando conheceu a sua cara-metade? O sentimento ou o próprio ato de conhecer nunca é instantâneo. A prova disso é que descobrimos com o tempo que temos afinidade com uma pessoa, e não com outra.

Não sei quantos alunos daquela época conseguiu vencer suas limitações. Só sei dizer que nossa professora de francês muito contribuiu para o nosso crescimento.

Obrigada, dona Joselita.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 14/03/2009
Código do texto: T1485963
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