Ela já entra perdendo
Seu nome está associado a tudo que é ruim. Nas histórias infantis, nos contos de fadas, nas conversas de comadres, no velório ou até antes que a dona da casa passe dessa pra melhor. Seu próprio nome começa com uma sílaba que está ligada à uma palavra que lembra a tudo que não presta.
Madrasta. Ela é má sem ter direito a defesa. Ela entra na história para ocupar o lugar de uma ¨santa¨que se foi. Todo mundo que morre torna-se bonzinho, queridinho, e todos os inhos imaginados ou inventados. Tenho pena das madrastas.
Ela entra já encontrando um bonde correndo. Ainda tem que suportar os que torcem para que a imagem que eles têm e fizeram questão de passar, é a correta. Eu não disse? Bem que eu avisei. Já começou a botar as unhas de fora. Percebeu o tom? Já está engrossando o gogó. E por ai vai...
É muita torcida contra. Parece que é ela só contra o mundo. E quando ela quer administrar à sua maneira? Afinal toda mulher idealiza como vai cuidar da sua casa, do marido, dos filhos. O poupar, o zelar são sinônimos de tirania, maus tratos, perseguição.
Comprar algo só para ela, nem pensar.
E as comparações? Dá para vencer uma batalha quando a comparação é feita com alguém que está do outro lado? Quando fulana era viva, as coisas não eram assim.
Quando dona fulustreca ia dava tudo certo. Ah, com essa a coisa vai desandar, não ver o olhar de bandida que ela tem? Ela t é tramando o bote. Talvez já esteja preparando o caixão para colocar o defunto dentro.Coitado do viúvo, ele tá acabado, você não acha?
A única vez que ouvi uma enteada falar bem da madrasta foi num programa de televisão, onde ela dizia que sua madrasta não era para ser chamada de madrasta, mas sim de boadrasta. Coitada, até o nome teve que ser mudado porque o antigo está associado a maldade. Numa outra vez, ouvi da boca da própria madrasta que fazia de tudo para que o pai do rapaz não repreendesse o filho para que esse não se sentisse menos amado em relação aos filhos do casamento posterior.Já imaginou o quadro?
Uma amiga casou com um viúvo que tinha seis filhas, todas casadas. Após o casamento; em pleno almoço de família; esperaram o pai sair e detonaram: Quando papai morrer você vai sair só com a roupa do couro.Minha amiga entrou em estado de choque. Porque assim que o pai voltou as queridas filhas aparentavam lindos semblantes. Dias depois minha amiga sofreu um derrame. O pai teve que vender a casa.Na partilha cada uma ficou com a grande quantia de R$ 600,00 ( seiscentos reais )! O pai foi morar atrás da casa de um cunhado onde construiu uma casinha. Quando o velho ficou doente, elas entraram em casa, pegaram o pai à força e levaram para casa de uma das filhas, tomaram o cartão da aposentadoria; como minha amiga havia ficado deficiente por causa do derrame teve que se calar para não acontecer coisa pior.Quando estava perto do velho morrer foi preciso um juiz entrar para que a própria esposa levasse o seu companheiro para morrer em casa. Um ano após a morte do esposo, minha amiga veio a falecer, estava tuberculosa. Durante a época da doença do marido, passou muita fome. Mas essas histórias ninguém conta, não é verdade? Dizem que é uma exceção.
Discordo. Conheci muitas madrastas que eram más, porém esse modo de ser não estava associado a um casamento com filhos; está associado sim, à própria pessoa. E esse modo de ser sempre se revelou em quaisquer tipos de relações: no relacionamento com os pais, amigos, parentes, vizinhos, etc.
Na outra ponta do barco está a madrasta que se cala, sofre em silêncio, renuncia muita coisa, perde pra ganhar. Sua voz nunca é ouvida, respeitada, considerada. Ela é um transtorno e tem consciência disso; mas ela tem um amor no coração, e por esse amor ela vai suportando.
Ela sonhou a vida inteira por um lar, por um companheiro, por filhos. Seu coração é grande o suficiente para amor, porém seu amor é rejeitado. E depois de tanto ver seu coração ser jogado como peteca, pra lá e pra cá; ela pára, reflete, e toma uma decisão; decisão penosa, difícil até. Sabe que as pedradas vão aumentar. Quem esperou pelo pior vai bater palmas, mas ela precisa dar um basta.
Basta para as críticas na sua maneira de falar, no seu jeito calado, no seu modo de vestir, de cuidar da casa, do cozinhar. Basta para quem invade sua privacidade, se achando no direito de mexer, de tirar, de decidir. Basta para as reuniões onde tudo aparenta está bem, quando na verdade as máscaras estão postas. Basta para os amigos antigos que chegam e se acham no direito de agir conforme o modelo de outrora. Basta ao que chegam e acham que podem comparar, e falar pela pessoa que já não quer saber nada desta vida, porque os laços foram partidos. Basta para as noites de choro, num silêncio que só quem entende a voz do coração pode traduzir aquilo que não pode ser dito. Basta para os gemidos, o fazer calar na hora que é preciso falar. Basta para a necessidade de se justificar, do tentar provar que é boazinha, e que nunca será aquilo que esperam que ela seja. Basta para a exclusão. Basta.
Se ela não tomar uma posição, vai morrer definitivamente, porque morrendo já estar.
Ela não tem culpa de ser a segunda ou a terceira. Não importa a sua colocação, o que importa é o que ela é. Quem é má, o é porque quer ser; porque passou por algum trauma e tem um jeito agressivo de ser por pura defesa; ou então escolheu usar um disfarce, mas ... deixemos de crucificar quem não tem culpa no cartório.
¨Minha amiga Carmita você levou tapa no rosto, foi empurrada, chutada...Você não morreu porque seu esposo lhe tirou a tempo de dentro daquele inferno. Mas você perdeu o seu amado depois que o filho se matou. Querida amiga, como você sonhou em ter seu próprio cantinho, mas infelizmente, hoje você o tem, mas está sozinha¨.
¨Dedinha, se minha voz te alcançasse, eu te diria: Não merecias tanta dor. Porém as pessoas acham-se no direito de destruir, mutilar, castrar, invadir. Queria que estivesses aqui, te tiraria daquele inferno, e ficarias sob meus cuidados... Aqui não morrerias de fome. Aqui não serias roubada. Aqui, poderias voltar a sorrir, falar alto, usar aquelas roupas e laços extravagantes...Infelizmente, cheguei tarde demais¨.
Nesse texto, externo o outro lado da moeda que muitas vezes foi ignorada.