Você sabe separar?

É difícil a gente separar, por exemplo, a gema da clara dos ovos. Eu pelo menos não consigo. Sei que tem gente que vai rir do que eu estou dizendo, principalmente a Tia Tetê que faz isto com muita destreza. Quando menina, ficava apreciando ela fazer bolo. Não errava uma e brigava com as ajudantes quando quebravam a gema e misturava com a clara. Na verdade eu torcia por este erro, só assim eu saboreava um mexidinho de ovos.

Separar para mim é muito difícil. Você sabe separar sua vida familiar de seu trabalho? Quando você sai de casa você deixa mesmo suas mazelas e começa um novo dia? E quando retorna para casa você consegue esquecer que seu chefe reclamou de você, ou que a colega não quis colaborar quando você solicitou um S.O.S?

Se uma história de amor chegou ao ponto final, você consegue manter uma relação de amizade perfeita, separando o ontem do hoje? E se você continua apaixonada embora o namoro não exista mais você sabe separar este amor da amizade que perdura?

Na verdade “separar” é uma arte. A gente está “separando” todo dia, todo instante, mas cada separação é uma separação. Cada separação é um martírio. Tem gente que sabe conviver mais com este verbo. Outras sofrem muito a cada momento que é preciso praticar esta ação.

A gente se separa quando casa. Se separa da família, do nosso quartinho, dos nossos costumes, dos nossos pertences. Neste caso a dor é menor porque a gente ganha logo uma outra família, um novo espaço, um novo sonho. Outros se separam das pessoas queridas por exercício da profissão. Como bate a saudade, deixar tudo, largar todos sem ter a certeza que no retorno as coisas estarão no mesmo lugar. Dói a alma, dói uma dor doida que não tem explicação.

E quanto às amizades? Você sabe separar seus amigos por categorias? Em quantas delas você conseguiu seleciona-los? Nós temos aqueles amigos confidentes, outros solidários, outros divertidos, todos estão dentro do nosso sistema e colaboram de uma forma ou outra para que a nossa vida seja feliz. Não é fácil, mas como dizia Saint Exupéry, para “cada amigo a gente deve depositar afinidades diferentes”. Não é porque Mauro não sabe guardar segredo, fala o que ouve e o que não ouve que eu vou dá cartão vermelho e expulsa-lo do meu círculo de amizade. Até porque ele é um excelente colega de trabalho. Colabora com as tarefas, pergunta se a gente quer ajuda e resolve os problemas de qualquer pessoa desde que esteja dentro de sua capacidade profissional. É só ter cuidado e não contar para a ele aquilo que não se quer dar publicidade. Já a Carminha é uma péssima companhia para uma noitada. Sempre calada, serena e sem ânimo. Porém ótima confidente sabe ouvir, seus conselhos são sempre promissores. Ninguém melhor do que Alexandre para divertir a gente depois de uma semana estressante de trabalho. Todo mundo quer sua companhia porque ele alegra qualquer ambiente, é auto astral, mas profissionalmente está sempre escorregando. Empurra trabalho para os colegas, só quer tirar férias em período nobre os outros que se danem, diz ele.

Modernamente temos que conviver com a “separação”, porque os casamentos não são duradouros, os filhos muito cedo fazem suas vidas, e o até os resíduos domésticos, comerciais e industriais hoje tem que ser separado. O homem do século XXI está sendo educado até para separar o “lixo”. Assim evita a poluição, colabora com a limpeza pública, protegendo o meio ambiente. Eles devem ser armazenados por categorias: vidros, papel, plástico e metal.

Separar a gema da clara, separar o amor da amizade, categorizar amigos e lixo, tudo isto fica simples e banal, tudo não dói, nem machuca quando se compara a separação eterna. Aquela que implica em não mais ver, ouvir, brigar, discutir, abraçar ou ver sorrir aquele que partiu para outra vida.

MORTE, SEPARAÇÃO MAIOR, DELA NINGUÉM ESCAPA.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 13/03/2009
Reeditado em 09/05/2020
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