O BEIJO

Naquela manhã eu estava sorumbático, de mal com a vida, com o mundo e comigo mesmo. Sentia-me o pior dos seres, a mais desprezível das criaturas.

Cabisbaixo eu caminhava pela calçada, quando de repente um rapaz segurou fortemente meus braços e beijou-me a face. Foi um beijo demorado, afetuoso, sincero, úmido... Enquanto ele beijava-me, eu permanecia inerte e à minha mente vinha o ósculo de Judas em Jesus.

Desesperadamente uma moça, puxando-o pelo braço, ordenava-o que me deixasse em paz. Foi quando percebi que estava em frente a uma escola para Portadores de Necessidades Educacionais Especiais e que aquele amável beijoqueiro era um portador da Síndrome de Down. Disse, então, àquela moça que não se preocupasse, pois o que fazia o rapaz não me tiraria pedaço algum, tampouco me incomodava.

Ao largar-me, presenteou-me com um sorriso desdentado, porém tão sincero quanto o beijo que acabara de dar-me, tão meigo quanto o seu olhar, tão puro quanto ele próprio.

Novamente fiquei inerte e, à distância, observava aquele rapaz que, na companhia de outros jovens com a mesma síndrome, fazia sua caminhada matinal seguido por algumas monitoras. À medida que se distanciava, observei que o jovem alegremente cumprimentava todos que passavam por ele, no entanto, ninguém mais ele beijou. Senti-me, então, lisonjeado e aquele sentimento de desprezo para comigo mesmo começava a esvair-se de mim.

Durante o restante do dia não pensava noutra coisa, senão naquele beijo. Não era um beijo qualquer, mas um beijo com a força de nos fazer superar os problemas que, às vezes, nós mesmos criamos; um beijo que mudaria (e para melhor) o meu dia, o meu estado de espírito, a maneira de tratar as pessoas à minha volta.

O gesto daquele jovem me fez parar para refletir e perceber o quanto um beijo pode nos fazer tão bem, mesmo que ele seja dado por um desconhecido, por uma pessoa do mesmo sexo.

Aquele rapaz, que aparentemente tinha pouco a nos oferecer, carregava em seus ombros mais problemas que muitos de nós, ditos “normais”, devido à rejeição e ao preconceito impostos pela sociedade, mas mesmo assim mostrava-se feliz e capaz de doar a um estranho o que possuía de mais valioso: o amor ao próximo, o qual revelou-se por meio daquele beijo afetuoso, sincero, úmido...

Joésio Menezes
Enviado por Joésio Menezes em 13/03/2009
Código do texto: T1484589
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