Nenúfares de viajora
NENÚFARES DE VIAJORA
Inacabado, verdadeiramente, foi o poema que a vida ousou bosquejar, tentando unir emoções díspares, o que tornou impossível agrupá-las. Num contexto mais amplo, tentou-se uma análise de componentes atirados à deriva pela lógica. Na verdade, o agrupamento de fatores heterogêneos não poderia levar a nada.
O poema da vida tem outras matizes e seria temeridade tentar reuní-las num contexto único. Seria o caso, talvez, de conjugar sentimentos, buscando transformá-los em normas ideais de conduta.
Ilusoriamente se propunha traçar um perfil otimizado, apto a orientar o indivíduo na busca da bem-aventurança, fazendo-o crer no tranqüilo êxito em suas expectativas de vida. Num raciocínio lógico (se exeqüível o plano) admitia-se que o inexorável, pela própria essência, não poderia ser controlado, mas poderia ser amenizado em sua implacabilidade. Mas, infelizmente, esse ideal ainda não foi atingido e o viver se tornou um fardo a ser carregado, sem alternativa.
Dizem os historiadores que as grandes nações tiveram como paradigma o simbólico cetro que alicerçaria sua edificação. Mas como? As sutilezas dos tempos não permitem acalentar a ilusão da igualdade, por mais ambicioso que seja o processo. Povo não é, necessariamente, uma nação. O próprio tempo se encarrega de alterar-lhe o rumo, suscitando pequenos desvios que enevoam sua meta. A decantada ligação em linha reta só existe no sonho dos visionários. Qualquer variação no trajeto altera o eixo e acaba por deslocar o ponto colimado.
Assim, a vida... Não há diretriz ou parâmetro capaz de orientá-la. Cada ser humano abriga em seu íntimo uma individualidade que, por definição, não admite interferência. O egoísmo é inato !
E o barco da vida também tem seu rumo. Está, contudo, sujeito a tempestades a à calmaria, navegando por mares “nunca dantes navegados”, impotente ante as surpresas que a fatalidade (essa é intocável) lhe reserva. E o timoneiro fica à deriva... Se a terra é redonda e o universo é infinito, como proceder ?
Certa vez me fantasiei de sábio e tentei formular uma teoria audaciosa. Queria estabelecer “uma forma definitiva de conduta humana”. Logo, logo, me pus a matutar: que espécie de sábio é esse, que ignora os mais comezinhos ensinamentos? Baseava-me, talvez, em experiências passadas (e algumas por mim vividas) e corri a lapidar arestas que me tolhiam o raciocínio, buscando atingir o pretensioso sonho. Tão entusiasmado estava que, como sábio (personagem da farsa), me perdi, esquecendo com certeza, que a matéria é mutável e as arestas se multiplicam a cada dia, num processo incontrolável.
Desencantado, aquele sábio fugaz, desprezou a matéria e se dedicou a perscrutar o espírito, julgava-se ele, o presumido mestre, um dos grandes pensadores que se arvoraram de condutores da humanidade, criando, cada um de per si, uma Escola de Pensadores que arrebanharia os seguidores ao nirvana, como se lhes fosse lícito transmitir impunemente suas convicções. Não tardou muito para perceber que seu vizinho tivera mesma idéia. Cada um deles tinha a pretensão de ser “o escolhido” para a santa missão. O sonho acabou! Esfumou-se a visão!
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Com o passar do tempo e o crescimento incontrolável dos povos, as Escolas de Pensadores se multiplicaram. E, assim, nasceram (e algumas sobrevivem) grandes Escolas Filosóficas que, na maioria, se transformaram em “Religiões”, sem atinarem, contudo, para a conceituação exata do termo. Melhor seria qualificá-las de crenças, crendices, farsas, etc, sem pretender menosprezá-las aqui. Não lhes cabe crítica maior, porque cada indivíduo tem sua própria concepção do que é o ideal. Mas se assim entendem, falta-lhes, apenas, aceitar que a fusão de todas as tendências numa só é inexeqüível. A partir da tentativa de monopolizar, nascem as divergências e o ódio passa a conduzir as ações dos adeptos desta ou daquela Escola Filosófica.
Chega-se ao inevitável: o caos, que - apesar de ter tido princípio - não pode ter fim, como o Criador do Universo.
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Nota do autor
O vocábulo NENÚFARES foi tomado de empréstimo à flora aquática. O seu perfume inexpressivo em nada valoriza este texto. Por sua vez, VIAJORA é forma alternativa de viajante, pouco usada, exceto por clássicos como Gonçalves Dias e Castro Alves.
Assim, no que respeita a este trabalho, Nenúfares e Viajora significam exatamente . . . . NADA.