Virando Homem


Sandoval chegou tarde da faculdade onde dava­ aulas. Cumprimentou a esposa, conversaram um pouquinho enquanto ele fazia um pequeno lanche. Depois, tomou um banho. Já de pijamas, foi ao quarto do David, seu filho, de oito anos, para dar-lhe um beijo de boa noite. Esperava que o menino já estivesse dormindo há horas, por isso, a falta de pressa.
Quando abriu a porta, porém, deparou-se com a criança ajoelhada na beirada da cama, debruçada na janela. Ao ver o pai, o menino enfiou-se mais do que depressa debaixo das cobertas e sorriu, maroto.
- O que estava fazendo, filho?
- Nada!
- Já era pra você estar dormindo há horas! O que estava olhando?
- Nada, pai. Já disse. – disse ele, envergonhado, cobrindo a cabeça com o edredon do Bob Esponja.
Sandoval chegou à janela. Olhou através da tela de proteção, tentando divisar o que estaria atraindo a atenção do menino uma hora daquelas.
No prédio em frente, poucas janelas ainda estavam acesas. A maioria delas, protegidas por cortinas.
Percebeu com o rabo de olho que David havia se descoberto e o olhava, curioso.
Sentou-se na cama, agarrou o garoto e começou a fazer-lhe cócegas:
- Vamos lá, seu moleque!! O que é que você estava aprontando!?
O menino ria, contorcendo-se:
- Não vou contar!
- É, né? É assim que você confia no seu papaizinho!? – fez-se de vítima.
- Ah, pai! Eu tenho vergonha.
- De mim? Não pode! Sou seu melhor amigo, lembra?
Ele sorriu, concordando. Abaixou os olhos:
- Tava olhando a moça...
- Moça?
David voltou à posição inicial. Apontou uma janela no canto, iluminada apenas pela luz tremeluzente da TV. Apertando os olhos, Sandoval conseguiu divisar o vulto. Era uma mulher, com certeza. Dava para perceber que ela usava um vestidinho muito curto ou uma camisolinha. Bonita, a danada!
- O que tem a moça? – perguntou, tentando fingir desinteresse.
- É linda. E, de vez em quando, ela tira a roupa.
- E você gosta de olhar?
David corou. Depois, levantando os olhos, enfrentou o sorriso divertido do pai:
- Claro, né, pai? Tô virando homem...
O pai concordou, segurando-se para não rir. No fundo, orgulhoso da precocidade do garoto. Bom, ter um filho macho!
- Está bem, meu filho. Mas, está frio, tarde e amanhã cedo você tem aula. Vamos dormir agora. Combinado?
- Combinado! – respondeu o guri, obediente.
No dia seguinte, Sandoval chegou em casa com um pacote debaixo do braço. Chamou o menino para o quarto, disse-lhe que era uma surpresa.
David acompanhou o pai, curiosíssimo, aos saltos. E não pode esconder a excitação quando Sandoval abriu o envelope e tirou de dentro dele uma Playboy.
Olhou as fotos, devorando uma a uma. Logo após o jantar, quis olhar de novo. O pai aceitou. Mas, na hora de dormir, fechou a revista.
- Vou deixar guardado num esconderijo, está bem? É o nosso segredo.
Os olhinhos do pequeno brilharam. Sentia-se importante: ele e o pai tinham um segredo só deles. Um segredo de homens.
Sandoval levou a revista para o quarto, guardou-a debaixo do colchão. Contou tudo à esposa que não aprovou muito o incentivo à pornografia, mas acabou achando graça. Antes olhar a revista com o pai, do que pegar uma gripe debruçado na janela até altas horas, olhando a desavergonhada do prédio em frente.
- Bonita mesmo? – perguntou.
- É sim. – respondeu.
Ela fez um biquinho.
- Mas você é muito mais! – Ele completou, aconchegando-se a ela, na cama.
Toda noite, quando Sandoval chegava em casa, o garoto o puxava pelo braço, sussurrando:
- Pai, vamos ver o nosso segredo?
- Depois do jantar, filho.
E o menino voltava aos seus desenhos animados, ria como criança das trapalhadas do Patrick Estrela.
Mas, quando o pai abria a revista, ficava sério, admirando cada detalhe, curva, pelo. Deslizava os dedinhos miúdos nos contornos femininos e suspirava.
Não sabia muito bem pra o que é que aquilo tudo servia, mas estava radiante: estava virando homem.

Imagem daqui.