ABALADA PELA LUZ
 
 
         O que é um poeta?
         Li hoje uma poesia que a poeta fala o que eu não sabia, mas ela me deu a luz do entendimento.
“Que o poeta tem os olhos no coração. Que o ator veste o personagem e representa ao vivo com a arte da expressão corporal, a voz, a interpretação e, que o poeta é o contrário, ele é oculto, escondido, ele não aparece e fala tudo que vê através do coração”.
Isto foi luz pra mim. Eu escrevo também passando pelo coração, meus olhos sentem e a mão escreve. Não sei me expressar de outro jeito. Então me entendi.
         A poesia lida é linda e têm outras palavras, versos de poeta de verdade e poesia boa. Não posso reproduzir aqui.
         Difícil até inventar uma história. Praticamente, confesso que tudo que ponho em palavras leva a minha qualidade e o meu defeito, é da minha natureza. Sou criativa em formas e cores, arte. Mas em palavras sou de uma fidelidade, realismo.
De modo que acho que nunca serei uma escritora de contos e de romances. Sinto-me á vontade na crônica descompromissada.
         Uma amiga querida me disse que se eu juntar tudo que escrevo, eu estarei contando a história da minha vida. Acho que ela tem razão.
         Foi revelador para mim esta poesia, pois me olho com mais facilidade e menos pretensão. É bom ser realista, a gente aproveita mais quando sabe das coisas e si mesma. Aliás, escrevo palavras que são o meu maior prazer atualmente. Toda vida li e escrevi. E por pouco contato com os outros sempre me expressei e extravasei escrevendo diariamente. Enchia as agendas de cada ano e não cabia, acabava escrevendo em cadernos.
         Adolescente ainda me questionava porque a literatura e a filosofia eram mais quase só de homens e pouco de mulheres. Até um dia, em que alguém tinha investigado a questão e descoberto que as mulheres sempre escreveram. Explicava que, nos cadernos de receitas caseiras, as nossas antepassadas escreviam entre uma receita e outra uma anotação pessoal, um registro rápido e profundo do seu sentimento e do seu olhar e de sua época. Achei muito interessante e fazia todo o sentido. O que foi para mim uma porta me libertando de escrever em cadernos tudo que queria.
         Claro, pois a mulher sempre foi muito inteligente e viva, só que “amordaçada de regras e comportamentos”.
         Em Português e Literatura, em Leopoldina, no Colégio Leopoldinense, ensino muito bom, os professores passavam redação e composição a fazer em casa, diariamente, e isto era muito divertido e estimulante, pois tinha nota. E era bom tirar nota alta. A gente vê que referências a gente encontrava. Os de casa nem viam, nem sabiam.
Certo dia, meu pai pegou um caderno meu e leu uma redação que eu fizera e veio com o caderno escolar na mão me perguntar se fora eu quem escrevera. Eu gostei da atenção dele, ele me olhou estranhamente quase não crendo que fora eu a autora. Mas depois de um momento, sugeriu que eu terminasse a redação com as palavras: “e seus olhos estavam embaçados como as vidraças estavam com a chuva lá fora”. Como amei meu pai naquele momento. Ele me deu importância.
         Uma única outra vez foi o meu caderno de desenho que ele veio perguntar se fora eu que desenhara: tratava-se de uma arena feito o Coliseu, que vim conhecer uns trinta anos depois desse dia, com as arquibancadas cheias de gente bradando o espetáculo dos cristãos amarrados em postes de madeira e sendo comido por leões. Sempre fui boa em olhar (mente e visão) fotográfico, fator que facilitou muito, posteriormente, no Ofício de Perícia Judicial.
Mas o meu desenho estava bom mesmo, muito colorido e realista retratava bem em perspectiva aérea e no conjunto a cena aprendida em História e, certas coisas que aprendemos, impressionam mais, como aquele sacrifício dos mártires cristãos. Além do que eu tinha uma professora de Desenho muito boa, a nossa querida Dona Regina, também ensinava o francês que sei até hoje.
         Como palavras escritas fazem bem! No escrever, lembranças boas vêem á mente.
          "Poeta não vê o externo
          Só enxerga o interior
          Seu olhar é doce, terno,
          Coração é o olho do escritor"

 
         E como a leitura também faz tanto bem. Eu li esta poesia hoje, e fiquei encantada, primeiro com a poesia, como o poeta sabe ser poeta? É demais!
          E depois percebi que aquele dom viera de uma pessoa querida que sofrera muito. A aflição começou a tomar conta de mim e fiquei abalada, mesmo vindo a saber que o fato era antigo, passado e já superado, mas muito injusto e cruel.
         Como cruel foi com a minha filha ser assaltada na Linha Amarela, deixando-a viva e intocada, graças a Deus, de pé no meio fio do asfalto, às dez horas da manhã.