No repicar dos sinos

         
1 - Eis que os sinos da minha igreja silenciaram! Não mais os ouvi repicando, nem na hora do Angelus, anunciando a despedida do sol.
               No primeiro instante, achei que eles haviam deixado de bater por causa da Quaresma.
               Mas logo me lembrei, que somente na Semana da Paixão os sinos emudecem e são inexoravelmente substituídos pelas roucas e ferais matracas.
               Como dizimista (perdão por essa palavra, mas não encontrei outra), entendi que merecia uma explicação. Por que, de uma hora para outra, o campanário de minha igreja ficara mudo?
               Foi aí que me disseram que alguns paroquianos, sentindo-se incomodados com o repetido bimbalhar dos sinos da matriz, teriam pedido ao padre que os fizessem calar.
               Sem outra alternativa, o padre acolhera, prontamente, a solicitação de alguns membros do seu rebanho.
               Fazer, agora, o quê?
               Creio que nada.

          2 - Sei muito bem, que se todos os sinos católicos de Salvador tocassem ao mesmo tempo, a capital baiana se transformaria na cidade, cujo nível de poluição sonora alcançaria índices incalculáveis.
               O que seria desta encantadora metrópole, já tão barulhenta, se suas 365 igrejas tivessem seus sinos badalando no mesmo horário? Às seis da tarde, digamos.
               Ah, dirão, mas essa estória de Salvador com 365 igrejas só existe nos livros de Jorge Amado e nas canções de Caymmi.
               Concordo. Mas, sem sombra de dúvida, a vetusta Soterópolis é a terra das igrejas. 
               Quarenta e dois templos são apontados no livro Basílicas e capelinhas, mui bem escrito por Biaggio Talento e Helenita Hollanda. 
               São templos seculares, de rara beleza, e próximos um do outro.
               Só no famoso Centro Histórico, o cristão vai encontrar: A Catedral Basílica, a igrejinha da Ajuda, a igreja da Misericórdia, a igreja de Santo Antônio Além do Carmo, a igreja dos Perdões, a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, e a igreja de São Pedro dos Clérigos.
               E ainda: a igreja da Ordem Terceira Franciscana, da Ordem Terceira de São Domingos  e a belíssima Igreja de São Francisco de Assis, no coração do Terreiro de Jesus, quase no Pelourinho.
               Não sei, mas pode ter faltado esta ou aquela igreja. Me digam se esqueci alguma. É muita igreja.
          3 - Mas eu dizia - antes de me perder por entre as igrejas de Salvador - que lamentara  o silêncio que fora imposto aos sinos da minha paróquia.
               Danei-me a lamentar, porque nos sinos estão algumas de minhas boas relembranças. O repicar dos sinos sempre me diz alguma coisa.
               Eu menino, lá na minha igrejinha sertaneja, através dos sinos, eu sabia quando alguém morria e era enterrado; que estava na hora da missa e da novena; que a padroeira, Senhora Sant´Ana, deixara o altar-mor, e saíra em procissão pelas ruas da cidade. 
               Depois, no seminário, lá estavam eles, na portaria; no claustro; anunciando a hora de acordar; a hora de rezar;  a hora de estudar; a hora de comer; e a hora de dormir.
               No Brasil, nem tanto, mas nas cidades da Europa, os campanários são inarredáveis atrações turísticas. 
               Cito, como exemplo, o imponente campanário de Florença, obra do genial Giotto, bem ao lado da belíssima Basílica de Santa Maria del Fiore, onde já estive duas vezes.
               Um dia, passando pelo Vaticano, num morno cair de tarde, parei para ouvir as lentas badaladas da Ave-Maria. 
               Ouvia sinos que tocam desde o reinado de Estevão II (752-757), o papa que teria mandado construir um campanário na Basílica de São Pedro. 
               Nem vou falar nos sinos de Natal.
          4 - Há uma crença antiga, segundo a qual, nas tempestades, queimando-se os ramos bentos recebidos no Domingo da Paixão, e já ressequidos pelo tempo, o cidadão, além de não ser atingido pelos raios, faz a procela ir embora.
               Muito bem. Na semana do carnaval, me foi solicitado pela paróquia a devolução desses ramos secos ganhos na última Semana Santa.
               Eles seriam imediatamente queimados e a cinza usada na Quarta-feira de Cinzas. Sem fazer qualquer objeção, obedeci.
          5 - O inverno se aproxima. 
                 E os temporais, também. 
                Pitigrilli ( novamente Pitigrilli?) escreveu, que nos sinos antigos liam-se inscrições como esta: " Choro os mortos, disperso as tormentas, anuncio as solenidades, estimulo os vagarosos, dissipo os ventos, aplaco os violentos."
               Na hora da tormenta, que, como disse se avizinha, não contarei com meus ramos bentos e secos, para atravessá-la ileso. 
               Só me resta, portanto, confiar nos sinos.     Por isso, espero que os sagrados bronzes de minha igreja voltem a repicar. 
               Diante do perigo vindo do céu, garanto que nem o paroquiano mais comodista os mandará calar.

Nota - Foto da torre da igreja de N. S. da Luz, na Pituba, colhida pela minha Olympus.
               
       
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 12/03/2009
Reeditado em 13/09/2009
Código do texto: T1483016