Vamos fazer amor hoje à noite?
Do outro lado da rua gesticulou para a mulher em pé, esperando o ônibus. Olhou em redor. Apertou os olhos. Não lembrava de onde ou se o conhecia. Atravessou a rua. Sorriu:
- Vamos “fazer amor hoje à noite”?
O primeiro ímpeto, um tapa na cara. Ignorou-o, voltou a esperar o ônibus, agora ofegante. O trânsito não fluía, as buzinas dos veículos aumentavam na freqüência e na intensidade rotineira da saída das crianças das escolas e dos funcionários do comércio.
Girou. O rapaz atrás dela sorria, insistente:
- Vamos “fazer amor hoje à noite”?
Gritaria socorro, daria uma bolsada no focinho, chamaria a polícia. Pensava em que faria quando a indignação e a revolta submeteram-se à vaidade e ao deleite. Trinta e nove anos, quatro filhos, dez horas diárias de trabalho e faculdade noturna. Esquecera das amabilidades masculinas, dos benefícios de ser desejada, cortejada. Por que o ônibus demorava?
Encostou os lábios às orelhas dela.
- Vamos “fazer amor hoje à noite”?
A voz melodiosa de locutor de rádio AM apresentando programa de músicas românticas na madrugada eriçou-lhe os pêlos das pernas, arrepiou os do pescoço e quase a jogou num chão de êxtase e volúpia.
- Vamos “fazer amor hoje à noite”?
Seis mulheres e dois homens que entraram pela esquerda do ponto de ônibus transtornaram os passageiros com empurrões e gritos fortes.
Desequilibrou-se do salto. Ele a reteve:
- Vamos “fazer amor hoje à noite”?
Anotou um endereço num pedaço de papel fragmentado da agenda. Esperaria às nove.
- Te pego às sete e meia. Pontualmente!
Às sete e meia estacionou ao lado do museu onde ela trabalhava. A essência de “Anete” impregnou-se no carro assim que ela abriu a porta. Encetou animadamente uma conversa corriqueira.
O sorriso desfez-se no estacionamento do teatro municipal. Uma placa informava a estréia da comédia “Fazer amor hoje à noite”.
- Você não disse para minha mãe que nunca ia ao teatro?
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 12 de março de 2009.