O INÍCIO E O FIM DA MINHA ADOLESCÊNCIA


Lá pelos idos dos anos 70, a década que considero a mais bela e criativa do século passado, mas que depois como tudo o que acontece nesta humanidade, no início tudo é belo, mas depois sempre vêm a ressaca, como os tempos posteriores de consumo de tanta droga, que naquela época era só mais uma das experências que estava chegando, mas muito ligadas ao "paz e amor", não tinham nenhuma ligação com violência naquela época.

Eram anos cheios de novidades, de novas alternativas (sociedades alternativas), novas colocações perante a vida, novas religiões ou filosofias chegando ao Brasil vindas do Oriente e de outros cantos, arejando um pouco as nossas mentes e nos mostrando outras opções para análise, também nas relações familiares, na música, nas artes, etc.

Os anos setenta foram para nós, equivalentes aos anos 60 de outras plagas, sem os exageros ocorridos lá

Festivais de Rock, Tim maia, Raul Seixas e outros tantos no Brasil, que depois se perderam também como muitas outras coisas.

Não sei se considero aquela época boa, ou porque eram os anos setenta, ou porque eu estava entrando na adolescência.
Não sei se para todos os adolescentes posteriores, dos anos 80, 90, se não possuem a mesma boa lembrança destes períodos de suas vidas, mas que foram se tornando mais violentas isto é certo.

Mas o Sol. Como brilhava o Sol daquele período, ainda vejo o brilho enquanto escrevo.

Era algo extasiante, aqueles meus treze, quatorze, quinze anos.
O começar a espiar o mundo para fora da segurança do lar, como um gato atravessando o portão pela primeira vez. Aqueles amigos, aqueles sentimentos de amizade, pois todos nós estávamos aprendendo tudo na mesma época, e isto é que torna, acredito, os adolescentes mais unidos. É lógico que já tinham algumas tribos, ou melhor, duas, embora ainda não se usassem este termo. Os caretas e os malucos, e os problemas das drogas começaram quando os caretas começaram a usá-las enquanto muitos outros já tinham saido.

Os caretas eram os chamados 'boys', com seus ‘fuscões’, também meus conhecidos.  Eram loucos para casarem e com hora marcada para chegar em casa. E a outra, já mais a vontade, com uma índole que já assumia mais riscos e mais curiosos em relação a tudo, mas sem trazer problemas para a família. 'Cabeça, meu irmão, cabeça'.

A turma que foi me atraindo foi esta mais libertária, como são as escolhas, não? Já é uma coisa que trazemos e que vai nos direcionando para este ou aquele caminho, pois senão todos seriamos muito mais parecidos; dizem que o meio faz o homem, mas, com certeza, não é só isso.

Lembro claramente, que aos oito ou nove anos de idade, li algo sobre os Roling Stones e já me atraiu a atenção, enquanto os Beatles sempre me foram indiferente, mas gostei, posteriormente, de John Lennon em carreira solo.

O meu cabelo, um dia começou a crescer além do que ia até então, e demorou a parar, e quando vi estava com uma cabeleira que parecia uma lua negra, em cima dos meus cinqüentas e seis quilos. Quem via de longe, talvez pensasse, como é que eu conseguia me equilibrar.

Já com os cabelos compridos as turmas começaram a se modificar e novos caminhos começaram a se descortinar.
A missa de domingo já era só para assistir a 'santa saída'.

Sunshine e o sol a brilhar.

As turmas começaram a apartar visivelmente, começou a aparecer os baseados, uma coisa nova no pedaço, cuja turma era a minha, embora eu não gostasse da erva. Muitos eram muito malucos, e, naquele período militar, também muitos eram protegidos pelos pais que tinham poder, e por isto tinham regalias para as suas estripulias que eram muitas. Eu só ficava assistindo e me dava bem com todos eles.

Pink floyd, Yes, T. Rex, Rick Wikmann, The Woo entre outros, e Raul Seixas e Tim Maia no Brasil, para mim eram imbatíveis, a primeira ópera rock ...Tommy, magnífica.

E a vida começou a ficar dupla.

Os ‘caretas’ me pareciam muito mais limitados, e os papos dos ‘malucos’ eram na época de melhor qualidade, pelo menos eu achava, tinham muito mais informações, eram mais ligados em coisas novas, coisas que eu ansiava conhecer.

Os nossos namoros tinham sensação de parceria, de convívio, cumplicidade, contrapondo os tradicionais  namoros de ficar na casa da namorada aos domingo a tarde, nunca fiz isso por mais de um domingo, e o convívio com as meninas "malucas"eram muito mais naturais. E era essa leva que mais me atraia.

As distâncias e a falta de eventual grana não era problema. Juntávamos o pouco que fosse e saiamos na estrada confiantes, indo para as praias, ou para outros lugares, pegando carona. Nunca faltava nada e todos os malucos se reconheciam nas cidades, era fácil de se enturmar aonde a gente chegava, mas eu nunca fui muito longe de casa não, outros amigos pegaram o mundo.

Nos lugares sempre era fácil nos ajeitarmos, estendíamos nossos panos e dormíamos sob o luar e em qualquer lugar, ou nas áreas de alguma casa de veraneio vazias, ou nas pedras à beira do mar. Estas enchiam de 'hospedes', afinal todos éramos um pouco de faquiris, em qualquer lugar a gente se ajeitava, e estudava-se muito as doutrinas do Oriente, que eram atraentes na época, mas que ficaram pelo caminho também, pois não traziam todas as respostas que queriamos, pelo menos para as minhas.

Altas horas conversando e andando pelas cidades litoraneas como se fôssemos seres estranhos, desligados daquela sociedade que nos envolvia.

Mas o tempo foi passando, o que era brilho de Sol antes, na medida daqueles poucos anos, dos quatorze aos dezessete, foram se anuviando e além de perder o seu brilho, começou um obscurecimento, como se eu estivesse entrado na idade média. O bicho já estava pegando. Já não me sentia mais um adolescente e para frente o caminho era obtuso, sem nenhuma espectativa aparente.

E naqueles anos de transição, onde já se mistura um resto da adolescência e esta incerteza pela frente, aqueles dois amigos, que já a certo tempo eu não via, resolveram buzinar embaixo do meu prédio, eu morava no primeiro andar, me chamando para ir ao campo buscar alguns cogumelos.

Eu já meio sem vontade, mas sem nada para fazer, acabei indo junto e no caminho já chegando perto da casa da família aonde iríamos pegá-los, passou por nós um carro da polícia, que tinha ido lá para aquelas bandas, atender uma queixa de arrombamento, e vendo aqueles cabeludos, naquele fusca, resolveram, por que não, dar uma checada e voltaram.

E aquele que dirigia o veículo em que estávamos, e que eu diria, a nossa amizade já tinha sido mais afinada, era filho de um empresário e o outro, filho de um militar graduado. Posição, claro, muito valorizada na época.

Aquele amigo que estava dirigindo o carro se chamava Marcos, mas por hábito, como acontece com muitos Marcos, este também era chamado de Marquinhos. E isto posto, sim senhor, quando nós chegamos na casa dos cogumelos parou atrás de nós a viatura policial.

E não é que aquele nosso amigo, até então chamado de Marquinhos, não tinha guardado uma ‘presença’ de no máximo dois ‘tapinhas’, para dar, vejam só, para um amigo seu vizinho? E ainda dentro de uma caixinha de fósforos esquecida no porta luvas?

E como a policia precisava mostrar serviço, lá fomos nós todos para o xilindró, passar três noites até que nossos pais nos encontrassem.

E lá, naquela parede escura, daquela cela em que ficamos guardados, tinha uma frase que, por ironia, dizia: ‘Quem ama a rosa, suporta os espinhos’, e eu ficava pensando nela, tudo me pareciam sinais.

Mas ainda bem que os pais deles tinham influência e de lá logo nos tiraram. E Aquele nosso amigo, que até então era chamado de Marquinhos, passou a partir daí, a ser chamado de ‘marcão’, um cara que dá bobeira.

E aquele Sol que realmente era tão lindo, há tão poucos anos antes, e que para mim já tinha perdido quase todo o seu brilho, talvez pelas incertezas dos caminhos difícieis que eu visualizava pela frente e, por ironia também do destino, marcando pontualmente o fim da minha adolescência, eu vi o Sol de que forma?

Ora, eu o vi da forma que até então ainda não tinha visto, ou seja, não o vi grande e luminoso, ou escondido entre as montanhas, ou quando o ficava  apreciando do alto de um prédio como em meditação.

Nada disto, eu vi o Sol nascer, da única forma que ainda não tinha visto, ou seja, eu o vi nascer quadrado.

E, claramente, acabou ali, naqueles três dias, a minha adolescência e deu-se inicio, então, a fase adulta da minha vida, onde o bicho pegou pesado, mas o mesmo Sol me mostraria o caminho que eu procurava logo em seguida, e eu consegui todas as respostas que sempre tinha procurado.
                             

'A felicidade provém do íntimo, daquilo que o Ser humano sente dentro de si mesmo' Roselis V. Sass - www.graal.org.br