RASO ou PROFUNDO?

Eu e esse notebook somos tão íntimos, que nesse momento, duas e quarenta da manhã, é ele meu companheiro de cama, se bem que hoje há mais alguém nela, alguém com quem optei por passar o resto da minha vida, ainda que não exatamente juntas.

Sara, minha florzinha de nove anos, dorme aqui ao meu lado.

Estamos nas primeiras horas do domingo, mas já sou capaz de falar muito sobre meu final de semana. Talvez por estar vivendo esse clima há mais de uma semana, graças ao carnaval e alguns dias extras concedidos pela empresa.

São tantas coisas sobre as quais quero escrever, isso pode ficar embolado, minha revisora pode dar piti e fazer sessão arco-íris quando ler esse texto, mas vai como o coração está pedindo.

Vi com minha irmã Um lugar chamado Nothing Hill, não é novo, muito menos inédito para nós duas trintonas- eu quase lá, mas já estou no clima. Rimos bastante, nos emocionamos com um amor doce, trilha sonora deliciosa para um sábado, nada de cenas sensuais. CLARO. Desejamos um Hugh Grant, solteiro, na próxima livraria que entrarmos. Esses filmes de amor fazem vir à tona o papo de solidão, da minha.

Ao contrário da maioria, terminei a faculdade mais solteira do que entrei. Em geral as pessoas começam a faculdade, curtem muito, depois se acalmam e por fim fazem parzinho dentro ou fora da turma. Bem...não foi exatamente assim comigo. Parei no acalmar.

Minha irmã achou um porquê de ser diferente comigo. O tempo que as pessoas usam para encontrar alguém eu dedico ao alguém que encontrei dentro de mim e que agora cresce no mundo, na vida.

Escolhi minha filha e dedicar-me a esse amor. Ela precisa não apenas de amor e cultura, mas do mínimo de estrutura, isso exige que eu tenha um comportamento diferente em quase tudo. Trabalho pensando no que preciso guardar para nossas férias, para nossa casa, para a compra do carro que, basicamente, será adquirido para facilitar o ir e vir do colégio. Atendo a um telefonema pedindo pelo amor de Deus que não seja um homem lindo, me chamando para sair na sexta, sábado ou domingo, pois esses são dias dela. Passo boa parte dos finais de semana fazendo, ajudando na realidade, lição de casa da quinta série, ou esperando ela voltar da brincadeira com as amigas, para, juntas, almoçarmos ou tomarmos café, isso inclui as amigas.

Toda escolha implica em uma renúncia.

Às vezes, não sei bem ao que estou renunciando, chego a dizer que teria uma vida assim ou assado se tivesse alguém ao meu lado, e que os problemas de uma relação me fazem ficar cada dia mais certa de viver só, mas isso não é de todo real.

A verdade é que sei bem a que estou me dedicando. Olhar esse serzinho dormindo aqui na minha cama, com esse narizinho escorrendo pela gripe, mas com um sorrisão na cara, fruto de uma noite longa de dois filmes do gosto dela- Camp Rock e Hannah Montana-, tenho certeza do que estou plantando.

Amor, puro e simples amor.

Jamais posso dizer o que voltará dessa plantação, sim eu penso que algo irá voltar, só não tenho poderes para clarificar o que será, se do meu gosto ou não, mas nada muda minha forma de viver e me dedicar. O que dou é puro e verdadeiro amor.

Sem arrancar meus cabelos, eu vi a esses dois filmes e quer saber? Gostei muito, me diverti com as letras das músicas e nós duas cantando tudo errado. Fiquei feliz com os parzinhos românticos tão educadinhos, com as danças cheias de detalhes, com uma menina acompanhada por toda a família em sua turnê musical, umas boas doses lições de moral, na medida para a idade da minha filhota.

Em um dia que a gente começa a ver peitinhos aparecendo no corpo dela, isso tudo fica tão mais lindo que da vontade chorar com This is me, cantada por dois adolescentes.

Tenho vinte anos a mais do que essa pequena. Só posso dar credibilidade a essa pessoa que vem me acompanhado há anos, com olhos atentos a tudo que faço, vendo DVDs do Chico Buarque, cantando Até o Fim aos berros no banheiro, desde os três anos de idade, pulando com Saltimbancos no DVD e no teatro. Eu acrescentei várias coisas na vida dela, como Meu pé de Laranja Lima que estava dentro de sua bolsa hoje, quando fomos para a cada da tia. Por que mesmo não posso deixar ela me mostrar as novidades da Disney? Por conta do capitalismo, da massificação em relação ao que é a música para adolescentes?

Podem gritar milhões de teorias sociais, provar conforme estudos psicológicos que esse tipo de coisa faz mal a personalidade – esses estudos suprassumo que são the best, até que outro estudo no próximo ano derrube tudo isso e adicione novas regras para criarmos nossos filhos – DANE-SE o que dizem por aí.

Eu sinto alegria com meu gosto e passo isso a ela, e o que recebo de volta é alegria com o gosto dela. Eu gosto do que meus pais gostavam e umas coisinhas extras. Minha filha gosta do que meus pais gostavam, do que eu gosto e vai adicionar o extra nela e em mim.

Não há ditadura.

Não sou cult, seja lá o que isso quer dizer exatamente. Sou gente, gente feita de coração, sou mãe.

O que é fútil para mim é útil para ela.

Às vezes é muito chato ser profundo – né Renata? -, a profundidade não lembra apenas pessoas que vão até a essência das coisas, lembra também aquelas que vão ao fundo do poço para só depois de bater no final conseguirem subir a superfície.

Vou seguindo me cobrando menos, quem sabe assim deixo de ir tão profundo e vou mais, indo cada dia mais, da superfície para as nuvens.

Afinal quero ser águia e não avestruz.

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