O Sabiá
Ele apareceu numa manhã ensolarada. Pareceu-me não estar acostumado com a liberdade recém adquirida. Voou até meu armário de cozinha, e ali ficou como se estivesse em casa. Fiquei preocupada, pois havia os gatos de dona Milota, que como qualquer felino não perdia uma oportunidade de usar garras e dentes afiados. Ainda havia meu cachorrinho que tinha ciúme até do vento, e com certeza não iria querer dividir sua dona com ninguém, muito menos com um sabiá.
Parecia cansado, pois o bico estava aberto. Se fosse outro animal diria que estava com a língua de fora. Coloquei uma vasilha com água e como não tinha noção do tipo de comida preferida por sabiá, decidi colocar um pouco de arroz e descasquei uma banana, pondo-a de lado num pratinho de plástico. Ele teria duas opções. Um luxo pra um passarinho, não?
Pensei que iria sair voando quando me aproximei com a comida. Que nada!... Deu um vôo para a cortina da janela, pra depois retornar para o armário. Comeu, bebeu e ficou catando as penas. Era a hora do relaxar...
Que fazer? Prender o pássaro na gaiola nem pensar. Deixar a janela aberta até que resolvesse ir embora seria a solução mais viável. Por enquanto deixaria que o pássaro tomasse a decisão. Olhando para aqueles olhos grandes lembrei de uma época distante onde criávamos vários pássaros em dois viveiros enormes. Uns tínhamos comprado, outros pegamos no alçapão. Eram periquitos, jandaias, gangarras, azulões, sangue-de-boi, pintassilgos, patativas, canários, galo de campina, pintor, e outros que não lembro os nomes.
O lugar escolhido para solta-los foi um parque que ficava no centro da cidade e acreditávamos que ficariam felizes por ganharem a liberdade. Porém acostumados à prisão causamos um mal maior. Eles já não sabiam voar, já não sabiam cantar. Ganharam à liberdade, mas essa chegara tarde demais. Ficaram à mercê de pedradas, de pedradores, e o pior de tudo, já não sabiam buscar o próprio alimento.Depois desse episódio triste que nos trouxe uma severa lição, nunca mais aceitei ter qualquer animal em cativeiro.
Até que apareceu um periquito verde que não sei por que motivo: não cantava, nem piava. Da sua garganta só saia um fraco chiado. Tentei não me apegar ao bichinho, porém pra onde eu ia o penoso ia atrás. Não voava; andava pelo chão com um jeito desengonçado. Chamava a atenção.
Um dia saindo correndo pra atender um chamado, não lembrei de olhar para o chão, e poff...Pisei naquela coisinha de nada. E lá se foi meu passarinho.
Chorei feito criança. E disse categoricamente: Não quero mais nenhum bicho de estimação! Evitava chegar perto de qualquer filhote, pois meu fraco por animais era uma coisa séria. E filhotes, nem se fala; dobravam meu coração. Não deu certo.
Um dia ganhei dois gatos. Uma beleza. Voltei a abrir meu coração. Outra vez perdi meus bichinhos. Alguém colocou veneno para matar rato; meus bichanos viram, comeram e morreram.
Trilim era o mais sabido. Esperava-me todo dia em cima do telhado, e quando me via apontar na rua saia ao meu encontro, e com a calda levantada seguia-me miando; parecia que conversávamos. Quem via achava graça. O outro era mais reservado, esperava-me na janela do meu quarto. Quando eu entrava ficava ronronando até que eu abrisse, e aí era uma festa. Que saudade que sinto dos meus amiguinhos!...
Passei anos sem querer outro animal dentro de casa. Mas não sei se meu coração os chama ou eles vêm ao meu encontro, porque já estou com o coração escancarado para um cachorrinho que parece um ursinho de pelúcia chamado Tunim.
Quanto ao sabiá, continuou em cima do armário até a hora do almoço; depois saiu voando até um pé de carambola, e até agora parece não ter planos para viajar.