A galinha assassinada

Certa vez, perambulando pela casa dos meus avós, ouvi uma gritaria lá dos lados do quintal. Histéricos brados de mulheres e agudos cacarejos. O que estaria acontecendo?

Desci pulando os degraus da escadaria e as cenas que ali presenciei nunca mais me abandonaram. Empregadas corriam atrás de galinhas. Estas, feito doidas, tentavam escapulir em zig-zag. Com braços esticados, as moças gritavam, mas não conseguiam alcançá-las. Correram, correram e, finalmente, alguém abraçou uma penosa.

Confesso que estava achando tudo muito engraçado, até perceber que a cozinheira Alzira, em pé a um canto, tinha nas mãos um enorme facão. Eu a conhecia desde que nasci, gostava dela, sempre a rir deixando à mostra sua boca desdentada. O que será que pretendia fazer com aquela faca gigantesca?

Então colocaram a galinha no chão, sem soltá-la. Ela gritava e esperneava. Enquanto uma das moças a segurava, outra torceu-lhe o pescoço. A galinha amoleceu um pouco, mas não se deixou abater. Nem deu tempo. Alzira aproximou-se e, num gesto rápido, agitou o facão. Tudo aconteceu numa fração de segundos. Eu fechava e abria os olhos, queria e não queria ver. Mas vi a cabeça da coitada caída no chão.

E logo em seguida, vi também uma das cenas mais horrorosas da minha vida: uma galinha acéfala, com o pescoço a jorrar sangue, correndo em linha torta. E um esguicho vermelho espirrando pra todos os lados!

Fugi em disparada. Queria me esquecer daquele sangue pelos ares, da bondosa Alzira e seu facão assassino. Queria apagar para sempre aquela visão medonha.

Demorou. Minha memória levou anos para desbotar essas imagens.

Mas esquecer, não esqueci.

Nunca consegui comer e jamais pretendo experimentar o tão famoso prato da culinária brasileira: galinha ao molho pardo...