O bispo não falou.. .
                      com Deus

  
                               Peço a musa do improviso
                               Que me dê inspiração,
                               Ciência e sabedoria,
                               Inteligência e razão,
                               Peço que
                               Deus me proteja
                               Pra falar de uma igreja
                               Que comete aberração.

                                                Miguezim de Princesa
               
          Acho que o bispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, ainda reza a missa em latim; e de costas para os fiéis.
          Seus posicionamentos -  posso estar enganado -  levam-me a pensar que Sua Eminência fez, por exemplo, sérias restrições ao pastoreio do saudoso Papa João 23, que mudou a Igreja; ou tentou mudá-la, renovando-a.
          Creio que ele está entre os que acreditam que, na eleição daquele estimado pontífice, o Espírito Santo, na hora H, bateu asas, e voou. 
          Mas, com certeza, deve ter vibrado com a escolha do Cardeal Ratzinger, nosso tímido e conservador Bento, para ocupar a cátedra petrina.
          Talvez, nunca tenha aderido ao uso da camisa de clergyman, preferindo - um direito seu - a velha batina surrada e respeitosa. 
          Na leitura dos escritos sagrados ele não deve se deter por muito tempo na interpretação do Cântico dos Cânticos;  no entender do escritor Juan Arias, "um livro com uma grande carga sensual e erótica, e é tido como o poema  de amor carnal mais belo da literatura universal."
          Seja lá como ele for, ele não é um bispo do Terceiro Milênio.
          Na sua diocese, aconteceu que uma garotinha, de apenas nove anos, engravidou de gêmeos depois de ser estuprada pelo padrasto.
          Uma menina ingênua e carente igualzinha às milhares que mourejam neste velho e, até certo ponto, ingrato Nordeste.
          Médicos iluminados concluíram que a gravidez devia ser imediatamente interrompida, e justificaram por que fizeram o aborto.
          A decisão dos médicos, pelo que li na imprensa de todo o país, foi acolhida por católicos, protestantes, evangélicos, ateus, e indiferentes, menos pelo senhor bispo de Olinda e Recife.
          Com suporte no Código Penal Brasileiro - que "não pune o aborto praticado por médico (atenção: por médico) em caso de risco de vida para mãe ou estupro" - os cirurgiões deixaram de lado o Código Canônico, no qual se baseou o prelado para condenar o aborto. 
          Foi um sucesso absoluto! A menina está aí, sã e salva. E segundo as gazetas que cobriram a cirurgia, ela brinca, alegremente, com  sua bonequinha.  O tempo a fará esquecer o facínora que a estuprou e a engravidou.  
          O bispo de Olinda e Recife, inconformado, confirmou a excomunhão dos médicos maurícios que, como disse, num ato de bravura, salvaram a menina estuprada.
          E o fez, certo de que com essa medieval atitude estaria agradando a Deus; ao seu Deus. Defendeu sua intolerância episcopal com base no Código Canônico,   que prescreve: "Quem provoca o aborto incorre em excomunhão automática".
          Veja só: ao pobre católico "infrator" (?) não é dado o sagrado direito de defesa. A excomunhão é automática! Pode, uma coisa dessa?
          Não queria entrar nessa polêmica com uma opinião que, afinal, não será levada em consideração por ninguém. Mas vamos lá, completando o que acima ousei dizer.  Sou católico praticante. 
          Ou "um simples, humilde trabalhador na vinha do Senhor", como Bento 16 se disse ser, no seu primeiro pronunciamento como papa. E, como o bispo de Olinda, também sou um homem temente a Deus. 
          Só que, no caso desta garota, o Deus do eminente prelado recifense não é exatamente o meu.  O meu Deus é o Deus do inesquecível Dom Hélder Câmara que, por muitos anos, honrou o trono episcopal no momento ocupado por Dom José Cardoso, o esconjurador.
          Creio que este ilustre bispo, no silêncio de sua capelinha privada, não perguntou a Deus como devia se posicionar no caso da indefesa garota estuprada e engravidada aos nove anos, por coincidência, sua inocente ovelhinha.
          Se tivesse pedido a opinião do Mestre não teria dito o que, por muita gente, está sendo considerada uma tremenda bobagem.  Prejudicando, inclusive, a imagem de sua Igreja já tão desgastada com as repetidas denúncias da presença, nas suas sacristias, de pedófilos de batina.
          Que esta minha ousada crônica não chegue às mãos do ranheta bispo de Olinda e Recife. De repente, serei eu, um ex-seminarista franciscano, o mais novo excomungado da minha paróquia.
          O que, a rigor, não me impediria de continuar rezando minhas jaculatórias.
         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 09/03/2009
Reeditado em 24/08/2009
Código do texto: T1477888