Conversei com um Anjo...
Querido Anjo, essa noite não dormi bem, dormi pouco, e o pouco que dormi foi mal. Ando um tanto preocupado, angustiado até, por vezes me pego a indagar por certas coisas e por mais que busco respostas não as encontro. O que significa a nossa passagem por aqui, qual é mesmo o nosso papel nesta terra? E esta sociedade, por que tantas desigualdades? Por que a fome, a ganância, a vaidade, a intolerância, o desprezo, o desamor? Ah meu Anjo! Por que tantas dores, por que o homem abdicou das coisas boas, da generosidade, da paciência, do respeito pelo seu semelhante? Até parece que acabaram todos os sonhos, que não temos mais esperanças... A vida tornou-se seca, os valores morais, onde é mesmo que estão? Por que os muros altos, as grades que nos cercam, por que querido Anjo? Perdoa-me pelas palavras, mas esse não pode ser o mundo prometido. Não, não bastassem as grandes catástrofes naturais, estamos a financiar as guerras e só Deus sabe em nome de quem... Financiamos as drogas, a prostituição... A corrupção já nos parece tão familiar, você não acha? Onde estão os homens de bem? Estamos assistindo impotentes à banalização da vida. É meu Anjo, e o amor às quantas anda? Parece que as pessoas desistiram de amar, abriram mão de dividir a felicidade. Seria o individualismo o causador de tudo? A competição entre os sexos, seria a concorrência pelo status, quem ganha mais, manda mais, quem vai bancar o jantar, seria isso? É meu Anjo, pouco se vê um amor duradouro, será mesmo que tem prazo de validade? Ou será a falta de companheirismo, do romantismo, da entrega sem medos, sei lá meu Anjo, sei lá...
Sabe meu querido, há muito eu queria esta oportunidade de falar com você, pedir que interceda por nós, que ore por nós, ore por essa infância perdida. Quanto descaso com nossas crianças, quanto abuso meu Deus! Até quando vamos formar acadêmicos do crime? Sim meu Anjo, estes pobres meninos estão nas ruas, com a nossa aquiescência, diplomando na universidade do crime! Anjo, eu tenho saudades de minha infância, onde éramos livres e felizes, tantas eram as brincadeiras, nas praças, nas ruas, meninos correndo descalços pelas ruas. Não entenda menino de rua correndo descalço, isso não, essa é uma grande ferida que não se fecha. Nossos filhos soltos, feito pequenas feras sofridas, desprotegidas, largados num canto qualquer... De tudo que já falamos meu Anjo, há ainda uma dor maior! A dor da humilhação, da indiferença. Por que o descaso com os idosos? Onde quer que você vá, lá está uma cena deprimente. Há sempre um idoso sendo desrespeitado. Agora, no fim da vida, depois de tantas vidas concebidas, de tudo que nos deram e que nos possibilitaram, eles não merecem este fim. Deveríamos sim, era carregá-los no colo e cobri-los de beijos como forma de agradecimento por tudo que fizeram por nós. Ou amanhã não seremos nós os idosos? Por que, meu Anjo?