Em Primeiro Lugar

Sentado diante de uma turma do Segundo Grau num colégio estadual do Rio de Janeiro. Fora convidado para participar do julgamento de poemas e canções de um concurso entre os alunos do colégio.

Estávamos nos aproximando do fim dos trabalhos. Foi quando pude observar que rigorosamente todas as meninas vestiam saias curtíssimas. Com exceção das que estavam de calça comprida, em número bastante inferior. Com qualquer ou nenhum descuido delas seríamos brindados com um festival de calcinhas. A que não deixaríamos de assistir, pela inevitável necessidade de não ficarmos olhando apenas para cima, para os lados ou para o chão.

Pensei nas dificuldades que estariam enfrentando as empresas têxteis na colocação de seus produtos, face ao baixo nível de consumo dos tecidos.

Pensei no poder aquisitivo cada vez mais reduzido da população de baixa renda de nossa cidade, segmento largamente majoritário em escolas públicas de Primeiro e Segundo Graus no Rio. As mães, com pouco dinheiro para gastar, com certeza teriam que concordar com o encurtamento das saias de suas filhas.

Pensei então na questão da moda. Certamente residiria aqui a explicação para aquela atitude aceita por todas as meninas. Nada tendo a ver com os aspectos econômico-financeiros que poderiam representar uma parcela de peso na crise de que falavam tanto.

Aí, procurei imaginar uma garota que, por um motivo qualquer, decidisse usar a saia abaixo do joelho, escondendo o que é para mim uma das partes mais provocantes do corpo da mulher. Não tenho dúvidas de que seria execrada, se tentasse por em prática a sua decisão. O que nos mostra que a moda é intolerante. Na medida em que todo mundo acha que o comportamento em vigor deve ser obedecido por todos. Só um defeito físico poderia justificar uma opção contrária à conduta em vigor. O que nos conduz à conclusão, ou pelo menos ao pensamento, de que essa conduta tem chances de não ter uma aceitação unânime.

Quem é que pode garantir que todas as meninas com as saias ao nível em que estavam concordariam em mantê-las daquele jeito se pudessem ter a chance de não admiti-lo? Será que não haveria nenhuma disposta a contrariar o padrão, pelo menos por alguns dias, como forma de não torná-lo tão óbvio ou rotineiro?

De repente me dei conta de que não estava ali para definir ou explicar as razões que poderiam ter levado adolescentes a fazer uso da sua indumentária do jeito que faziam. Em outras palavras, não estava ali para olhar as coxas das meninas.

Mas aí o poema classificado em primeiro lugar já tinha sido escolhido. E eu, é claro, concordado com o julgamento.

Rio, 06/03/2009

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 09/03/2009
Código do texto: T1476935
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