Vivaz senil
Irei lhe contar uma história. Uma história que, por partir de mim, é parte de mim – como a parte que cabe a cada um do pouco que lhe resta, ainda que seja somente esperança. Esperem de mim tudo, menos que não seja eu mesmo, porque a cada minuto que ajo, manifesto-me, e não declaro inconsciência àquilo que propositadamente eu fiz, e não neguei quando podia. Eu sou somente a pseudo essência daquilo que mostro ser. Contradigo-me? Não. É que até minha falsa essência sou eu, ainda que a negue. Sentir-me-ia humilhado se visse o que não fui; o que não represento, mesmo que agora não possa ser mais nada, pois vejo, perto do fim, um começo, e caio de novo na rede das antíteses. Sou um pusilânime que se recusa a aprender; sou a álea do tempo incansável, e a claustrofobia do menino que não pode ver, ainda que somente veja o escuro. Carrego a causa, como um fardo, e vivo um mundo de conseqüências.
É estúpido da minha parte não identificar-me: sou, pois, o Anacrônico. Em todos pesares que esse pesar possa remeter.
Faço, nesse instante, um análise sobre o tempo. Pequena é a parte da vida que nós realmente vivemos, porque o resto não é vida, mas somente tempo. Virgílio foi prudente ao afirmar isso – e Sêneca mais ainda ao concordar com ele. Sinto-me insípido às vezes. Não por ter entendimento complementar ou negativo a essa frase, mas simplesmente por ser alheio; alheio por ter sido discricionário em razão aos fazeres da vida. E em que pese, trago lembranças. Sou um tautológico a ponto de ser um ciclo vicioso, e não um círculo, pois carrego uma rotina cíclica, que submete-me ao êxtase do viver. Sou uma sucursal de mim mesmo, só que indiferente ao vento, que não o sinto por não ter mais cabelos para o sentir (no sentido mais amplo dessas palavras alienígenas). Quanto ao tempo e a vida, estou inexoravelmente preso à fortuna, por não ter mais tempo; somente vida.
Ante pesadas reflexões, não quero chegar ao insigne âmago do meu ser – pois nem sei o que é isso -, desejo somente encontrar-me (da mesma forma de todos os dias), mas com uma casualidade lúdica, que me reconduza ao Ser Eu infantil que carrego, mas que desconheço, há muito, por completo.
ps: Continua.