O SÁBADO DE TIRAR AS "ALELUIAS"
Quando as sextas-feiras santas eram assunto relevante , especialmente em regiões aonde a Igreja Católica reinava absoluta, tal dia era de total repouso, inclusive os meninos estavam livres dos eventuais corretivos por alguma travessura. Assim, tendo aprontado alguma, o castigo era adiado para o dia seguinte, ou seja, o sábado. Nesse momento então o pai dizia ao filho "agora vou tirar tuas aleluias...".
Desde então, as mudanças se aceleraram sem que houvesse uma preocupação com o crescimento da população, abandonada à própria sorte. O êxodo que isso ocasionou, levou milhares de pessoas nas últimas décadas à procura dos grandes centros. Temos aí o germe da marginalidade criminosa.
Entretanto, devemos reconhecer o óbvio, ou seja, que as ações dos que agem na ilegalidade não passam de serviços prestados de forma escusa a todo tipo de receptador que adquira as mercadorias e faça uso deles. Sendo assim, é ilusório que se combata a violência e os crimes investindo somente em repressão, uma vez que esses estão diretamente ligados a setores com fachada legal que fomentam e incentivam cada vez mais a contravenção. Quando um preso liga pra tua casa e tenta te convencer de que sequestrou alguém da família e te deixa arrasado até descobrir a verdade, ele tem tal recurso porque alguém do mundo exterior está ajudando a ele a fazer isso. Pode ser um reles rapaz que conserta celulares e clona os números, pode ser um advogado que leva os aparelhos pra dentro do presídio, pode ser muita gente que aqui fora tem interesse nos serviços prestados por aqueles que não tem mais nada a perder.
A imprensa oferece sempre os mesmos Judas, aonde os políticos têm um destacado papel. Entretanto sabe-se que eles, em grande número, só estão a serviço de mãos poderosas que permanecem na obscuridade e podem eleger qualquer um. Eu não esqueci do deputado que filmava execuções com serra elétrica. Mas esse caiu em desgraça e terminou condenado e preso. Era só um elo da corrente do crime organizado. O lado aparente , suas cores externas, olhos faiscantes de cifras fabulosas que os jornais
estampam, reflete somente o envólucro do monstro, a sua parte
mais visível, pois um número incalculável de cidadãos que gritam contra a corrupção são o que, entre outras coisas, pagam propina para conseguir pequenos favores, recorrem à procedimentos médicos, inclusive estéticos, por conta do dinheiro público de forma totalmente irregular, adquirem produtos originários de roubos e devidamente "lavados" e expostos em lojas, e assim segue a lista de ações incorporadas ao dia a dia de muita gente com a conivência de uma moral de ocasião.
E entendo perfeitamente quando se fala que, uma vez enredados na malha operacional de ações que envolvem dinheiro, fica muito difícil não sermos envolvidos. Outro dia, na compra de um imóvel, tive que ligar o meu alerta para não compactuar com algo que para o corretor não passava de rotina, quando ele se gabou de ter contatos na prefeitura que facilitariam uma alteração nos valores. E se não for por vontade própria, será até para manter um emprego, quando o funcionário precisa escolher entre este e a sua integridade.
Eis então, o quadro de uma doença altamente contagiosa que é a ganância , cujas origens, segundo a psicanálise, se remetem a uma fase da infância aonde as fezes foram consideradas pela criança como algo de vital importância com as quais podiam obter controle sobre o mundo exterior, enfim ter poder de manipular a mãe que era então o ser que o representava. Isso explica que o mais patético, enfim, são as motivações para as atitudes e não as atitudes em si.
É muita ingenuidade também, diante desse contexto, julgarmos que a imprensa está a serviço do bem comum e que os circos armados pela mídia tenham algum objetivo menos sórdido. E repetir os bordões da hora é mais do que inocência , porque fica muito cômodo chutar o vilão providencialmente escolhido por quem dá as cartas. Difícil mesmo, é ser honesto e incorruptível . Mas, sinceramente, ainda acho que vale a pena. E tento todos os dias este exercício, apesar das facilidades de encontrar desculpas muito bem elaboradas por uma mentalidade que vai ganhando terreno e faz a alegria de quem está louco pra aprontar com justificativas. Algo como as travessuras dos meninos na sexta-feira da Paixão. Tudo "free" e sem pensar no dia de amanhã. Quem irá "tirar as aleluias" destes meninos?