Dona Capuchinha

Fui fazer uma visita a uma anciã que fez questão de dizer que tinha nascido em 1917, portanto tem exatamente 92 anos. Alta, de cabelos brancos, ainda de porte ereto, se podia encontrar um vislumbre do que foi no passado. Uma mulher alegre, preocupada com a família, disposta a ajudar.

Sorria-me sempre que nossos olhares se encontravam, dando-me a certeza de uma verdade há muito proclamada: aquilo que o homem semear, isso ceifará. Dona Amara, ou melhor, Capuchinha, semeou sementes do amor, para hoje colher frutos do amor.

Lembra de muitas coisas de um passado longínquo, porém nada sabe dizer como chegou para essa casa onde está residindo, quem a trouxe, e porque está ali.

Falou-me do saudoso esposo que a tratava tão bem, que todo dinheiro colocava na sua mão, porque sabia que ela era uma mulher que sabia administrar bem o sustento da família. Lembrou do pai, dos irmãos, acredita que todos estão vivos; lembrou de uma irmã que morava numa localidade, embora eu lhe dissesse que sua irmã já tinha se mudado; continuava afirmando que não sabia de nada.

Dona Capuchinha, apelido dado por seu pai, e ninguém sabe dizer de onde surgiu esse nome. Sabe afirmar que o pai tinha ¨mania¨de colocar apelido em todos os filhos. Essa mulher que tem um semblante sereno de quem já andou por muitas estradas, e que tem o que contar. Sabe e pode aconselhar quem ainda não provou dos doces anos de longa existência.

Tem um apetite de ¨leão¨. Tem sempre um sorriso para quem lhe dirige uma palavra. Anda com a ajuda de uma bengala, mas quando chegou para morar com essa sobrinha o quadro era outro.

Ela nunca teve filho, porém criou um sobrinho como se fosse seu, e quando ¨engrossou as pernas e o gogó¨, se apossou do seu ¨dinheirinho¨e lhe deixou à mingua. Foi tirada de lá às pressas. Não comia sozinha, não andava, e a comida tinha que ser líquida porque não engolia nada sólido.Usava fraldas, e tinha feridas por todo corpo. Cabelos e corpo cheio de sujeira.

Quando a vejo hoje, choro por dentro, porque aquela anciã que encontrei há dois meses atrás, hoje está totalmente mudada. E aí me vem uma pergunta: Como alguém pode agir da maneira que certas pessoas agem? Como alguém pode bater, abandonar, ferir, derrubar, mutilar, roubar, enganar uma pessoa que não pode se defender? Os meios de comunicação mostram pessoas que são colocadas para cuidar de velhos que se levantam como torturadores. Parentes colocam dispositivos que lhes provem a existência do já desconfiam. Enquanto nossos velhos estão numa voz silenciosa nos dando todos os sinais de SOS.

Dona Capuchinha cuidou de muitos, ajudou a outros, se preocupou com os necessitados; Hoje apesar dos desgostos, está numa casa onde todos lhe amam; pessoas que não estão com ela pelo dinheiro, pois nem isso ela tem; tomaram-lhe tudo.

Dona Capuchinha que deu tanto amor, e com tristeza diz: Não tive filhos, e o único que criei não me amou não passou rancor por tanto mal que lhe fizeram, nem arrependimento pelo que fez; Você, com esse sorriso, me fez acreditar num amanhã. Hoje aprendi com você que apesar dos pesares ainda há motivo para sorrir

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 06/03/2009
Código do texto: T1472708
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