Vento no sul

Forte, muito forte, e ágil a ventania de cento e três quilômetros sobre o Chuí. Aqui em Santa Vitória do Palmar o vento chegou com menor impacto. São pelo menos vinte quilômetros de um ponto ao outro do início do Brasil. Digo início e não fim, pois coincide com os primórdios da colonização nacional, ficando na longa faixa de Rio Grande até a Colônia do Sacramento, esta última fundada por Manuel Lobo, hoje território uruguaio. Pela televisão o aviso era de “alerta de tempestade” que o povo local dá o nome de tormenta. A tormenta desabou soprada pelo fortíssimo vento de sempre. Eu estava ainda na faculdade quando li num jornalão sobre “alerta máximo vermelho” para nossa região de estremadura, e podemos constatar pela janela que não passava de torvelinho acidentado. Mas é sempre bom lembrar aos navegantes o furor trepidante e ciclópico dos ventos e chuvaradas.

Durante a madrugada acordei no escritório com grande estrondo. Em meio ao estado sonolento deduzi que havia despencado o poste com transformador em frente de casa. Vi um clarão na escuridão, logo sobreveio o breu que assumiu seu lugar no espaço rápido de luz. Mergulhei novamente na minha cidade interior. Desta vez havia acidente com morte. O mesmo impacto misturando eletricidade com água. Quando despertei reuni minha atenção para os fatos: há poucos dias todas as televisões da rua próxima à rodoviária pifaram numa queda brusca de energia, justo quando um poste com transformador desabou ferido por caminhão de entrega. Depois, Maria Claudia levantaria muito cedo para alcançar a escola rural. Por sorte quando levantou na tempestade havia amainado os ânimos na bela condição de bonança.

O ônibus poderia passar bem em frente de casa nesse inverno, porém insiste em transitar duas quadras adiante, na praça da igreja, bulida por reforma iniciada em meio ao processo eleitoral, e que não anda. Durante a madrugada a praça, como todas as praças do mundo, habita um terreno de sombras onde moram suspeitos. Na confecção do itinerário alguns professores consideraram luxo a passgem do ônibus na frente de casa. Assim o direito de “acessibilidade” mais do que lei, perdeu de se tornar uma ordem inteligente de coisa. Professores mal sonham com “administração” tendo conforto como sinônimo. Por ser trabalho intelectual sugere-se uma condição de agruras, com diretoras tiranas, para justificar os proventos numa espécie de culpa. Portanto acabam em perfeita sintonia com o padrão vi8gente na busca esmagadora do salário. Não são heróis populares, não jogam bola nas grandes arenas, arenas famintas das grandes expansões, jamais aparecem em triunfo todos os dias. Até as tempestades ganham espaço nos diários de notícia bem mais do que eles cortando a madrugada tormentosa.