O incrível dom da vida
A vida tem um jeito único de nos seguir saltitando, pular em nosso colo e sorrir contente, sem importar se naquela hora deveríamos estar nos debulhando em lágrimas sentidas. E o engraçado é que sempre acompanhamos o sorriso da vida, como quem acompanha um bocejo, involuntariamente.
Assim, podemos gargalhar em enterros, chorar em casamentos, nos surpreender com nascimentos (como se não fossem eles a causa comum da humanidade estar tão bem preservada!), ficar indiferentes ante tragédias e injustiças, acreditar em mentiras, contestar verdades e seguir de braços dados com a vida, até que a morte - essa companheira relutante - nos tome nos braços em direção a mais uma vida.
É desse modo que abraçamos o filho alheio como se fosse nosso e por que nossos próprios filhos nos rejeitam, pela vida que se impõe. E por esse mesmo motivo que, não importa quantas vezes, esses mesmos filhos digam que não nos amam nós continuamos a amá-los do mesmo modo de quando vimos seus rostos pela primeira vez e compreendamos que os filhos alheios serão nossos, se assim nos dispusermos.
Não adianta arrumarmos a mala, nem nos dispormos à viagem...a vida se nos impõe. Recomeçaremos das cinzas, todas as vezes, por que a estrada da vida tem ida e volta - como diria Alceu Valença - ninguém foge do destino por que ele é trem, avião, navio e canoa, ônibus ou lotação, foguete espacial. Ele, ao comando da vida, nos conduzirá adiante.
Ela, a vida, estará saltitando contente à nossa frente, cantando, vestida de primavera sempre - mesmo nos enterros - absolutamente irresponsável - mesmo que alguns assim não pensem - chovendo dádivas.
A vida é assim, marota. E às nossas lágrimas ela não dá a menor importância...choremos, muito, demais, apenas para descobrir, depois, que nenhuma das nossas lágrimas deixou marcas no tecido que a vida veste, tecido pelo destino com os fios que ele recebeu da noite, logo antes do sol - o velho e espalhafatoso astro-rei - venha repetir seu bonito (porém tedioso) espetáculo.
Vivamos então, na dança da vida, engolindo o champanhe ou o chumbo derretido, comendo caviar ou traçando a pulso o cuzcuz de cinza com leite de avelois (dieta indigesta), à nossa frente vai a doida, cantando sua canção e saltitando, contente.
O Rex está com os olhos molhados, mas sua fleuma inglêsa não permite que as lágrimas caiam.