FRUTAS DE MADEIRA

Sobre a mesa, os enfeites vindos da Bahia, presente de Geraldo há tantos anos...No aparelho de som, a música russa que ganhei de Rubem. No pensamento: Como será o reencontro com Daniel?

A madeira de cada uma das frutas, o madeiro da lareira na noite de inverno, o papel, matéria transmutada onde se cravarão para sempre as palavras do seu livro, Daniel.

Mangas, uvas, cajus, figos, bananas, peras. Estranhas frutas como a sua boca, Geraldo, feita nunca para mim. Neste momento, o fogo crepita na sala aquecida de alguma aldeia onde pessoas bebem chá, onde Rubem teria vivido, enquanto os passos de dança ecoam nas paredes, ao som das balalaikas. Daniel, no estúdio, cercado de microfones, cansaços, receios.

Frutas de madeira. Penso em você, Geraldo, e na onipresença do meu antigo amor. Amanhã almoçaremos aqui em casa e lhe servirei frutas frescas, como sobremesa.

A velha Rússia de Dostoievski, lembrança dolorida, como dolorida a lembrança da Rússia soviética. Ah, sonho socialista! Ah, sonho de balalaikas! Onde estais vós? Rubem: onde estais vós?

Daniel, no estúdio, envolvido pelo redemunho do mundo. Seu pensamento não pode fugir para Minas. Não pode fugir, a tal ponto não pode, que às vezes acredita que Minas já não há mais.

Hoje, no caminho para a escola, vi uma árvore caída, com as raízes todas à mostra, apenas mais uma das tantas que não resistiu a uma destas tão frequentes tempestades de verão. Doeu-me a morta, ali. Lembrei da minha paineira, viva, sempre-viva diante da janela. Talvez façam alguma coisa com a madeira desta pobre árvore aqui tombada, mas ontem ela estava viva, simplesmente viva. E nenhuma coisa feita de sua madeira terá vida.Nunca mais.

Em que espaço está Rubem agora? Onde se refugia o silêncio de Daniel? Onde eu mesma aqui, diante do computador enquanto, na mesa, as frutas de madeira que Geraldo me trouxe da Bahia há alguns séculos, misturadas à lembrança da pobre árvore morta, no caminho para a escola? Geraldo ainda se lembra destas frutas?

Estamos todos vivos. A árvore morreu ontem. O tempo que nos percorre ainda é um tempo vivo. Um tempo vivo. Pena que quase sempre nos sintamos como as frutas de madeira que certa vez Geraldo me trouxe da Bahia, terra de Caymmi, de Caetano, de Betânia. Terra de meu pai.