PASSARINHO KAMIKASI

O título sugere uma ação extraordinária, pois o termo Kamikasi está ligado aos pilotos japoneses que, destemidos, conduziam seus aviões de guerra rumo ao fim arrebatador, atropelando os inimigos e morrendo como heróis de guerra.

Pois é, num horário normal de expediente no meu órgão de labuta, eis que, inesperadamente, ouviu-se um ruído externo no vidro da janela, como se alguém estivesse jogando qualquer obstáculo rumo àquela vidraça. Fui apurar as razões daquele barulho e constatei que um pobrezinho de um “João de Barro” estava estatelado ao chão, dando os últimos suspiros de um ser vivo. Suas garras se mexiam pela última vez e por alguns segundos pararam definitivamente de oferecer algum resquício que pudesse presumir algum aceno vital. Tinha morrido o pobre do passarinho.

Sem me fazer alheio aquele drama, refleti sobre o acontecido e verifiquei que o destino também toma as redes de outros seres vivos, conduzindo-os ao fim inevitável. Ora, um passarinho como aquele que tem um vôo tão preciso e tão ligeiro não foi capaz de desviar-se do buraco incolor que fazia obstáculo ao seu vôo. Naqueles segundinhos que saiu do seu habitat verde e quis ingressar por um novo caminho, acabou chegando a uma encruzilhada inexorável e encontrou a morte.

Tirando tal exemplo de vida e morte - como uma reflexão própria do ser vivo - verificamos que a vida é uma incerteza constante. A qualquer momento um obstáculo qualquer se põe à frente da fragilidade do corpo e leva nossos traços vitais. É como se lembrar do motociclista de ontem que conduzia tranquilamente a sua moto por uma avenida de trânsito rápido e foi interceptado por uma linha de pipa com cerol e teve morte quase instantânea. Com tantos exemplos de fim trágico para a carne humana, encontramos ainda gente que não acredita em ser Supremo. É possível imaginarmos que inexistem outros fatores Universais que controlam essa nossa dependência do acaso? Penso... e chego à conclusão de que qualquer um que não tenha fé nas questões transcendentais é um pobre coitado que ficará perambulando pelo cosmos quando chegar essa hora verdadeira e intransponível.

Neste momento, o “João de Barro” deixou de pertencer à natureza que serve à raça humana. Os poetas e os músicos já não podem mais lhe agradar com suas músicas e seus paradoxos em torno de sua existência, falando das traições e das amadas que se foram. O passarinho se tornou num amontoado de penas e carne fria sem sentido para a vida. Quisera eu poder compor uma música em homenagem a sua despedida, dizendo que ele foi um pássaro importante e que deixarás saudade. Deixará sua casinha na árvore como símbolo de uma vida de regras e de costumes, mas não poderá mais carregar o barro para construir sua morada. Certamente outros pássaros de sua espécie irão desfrutar do seu lar e continuar sua sina de passarinho das chuvas e construtor nato da floresta. Mas ele, com todas as suas particularidades e proezas, foi-se rumo ao incógnito da existência.

E, ali, numa posição de inatividade, rodeado por um misto de serenidade e de silêncio, só consegue manter sua plumagem marrom que reflete em nossas pupilas a amargura de uma despedida. Dorme um sono profundo e mordaz, como se não quisesse mais fazer parte deste mundo, numa conformidade com a sua realidade palpável e destrutível. Irá fazer vezes com a indiferença das coisas e cairá no esquecimento tão logo chegue o anoitecer, pois outros pássaros e outros “João de Barro” irão perfazer os céus, mostrando que a natureza se renova e não precisa ficar contemplando o fim de quem virou anonimato.

Machadinho
Enviado por Machadinho em 05/03/2009
Reeditado em 05/03/2009
Código do texto: T1470523