Ela mentiu...


                           Sou bem nascido. Menino,
                           Fui, como os demais, feliz.
                                         Manuel Bandeira

     1.Hoje, dia 5 de março, assim que acordei, me pus diante de um espelho, e bati palmas pros meus cabelos encanecidos pela idade. E com um sorriso largo, brindei os anos idos e intensamente vividos.
     
2. Querem saber quantos anos faço neste 5 de março de 2009? Não vou dizer. Não vejo aquela inarredável necessidade de divulgar o total de anos que já vivi; ainda mais pela Internet, que não guarda segredos.
     
3. Basta que o mundo saiba que vivi esse tempo todo procurando ser feliz. Talvez por isso tenha chegado até aqui, inteirinho. Uma prova - ao lado de tantas outras, claro - de que continuo com tudo em riba, é esta minha incontrolável disposição de escrever minhas crônicas. E faço isso diariamente.
     
4. Escrevo-as até alta madrugada, e sem cochilar. Ponho na vitrola um disco de saudade, e mergulho, como o coração e a alma na ponta dos dedos, no teclado do meu Notebook. Só no meu Site repousam mais de uma centena de crônicas, incluindo esta que vosmecê, meu amado leitor, acaba de ler, num inconcebível exercício de generosidade e paciência.
     
5. Nestes últimos dias, andei caçando uma palavrinha, uma lembrança qualquer, próxima ou remota, que me ajudasse a escrever sobre meu aniversário. Nada encontrei! Ao coração também consultei. E ele ficou calado!
     
6. Cheguei, então, à seguinte conclusão: depois de tantos anos escrevendo sobre mim, sobre mim nada mais teria a dizer. Fechei o computador, e fui cuidar d´outra coisa.
     
7. Sabedores da minha decisão de emudecer no dia do meu aniversário, parentes e amigos se declararam surpresos e inconformados. E choveram e-mails e telefonemas cobrando a crônica do dia cinco, que prometera escrever todos os anos.
     
8. Sem um bom assunto, pensei em contentar os amigos e a parentela transcrevendo, no meu Site, "Minha Sodade", um dos melhores e mais bonitos poemas do vate cearense Patativa do Assaré, que, numa grata coincidência, também nasceu no dia 5 de março.
Somos, portanto, como ele cantava, do "mês preferido, do santo querido, Senhor São José".
     
9. Mas desisti. É um poema longo, cujos primeiros versos são estes:
               "Minha gente! Minha gente!
                Eu sei ocurtá meu pranto,
                Não pense que eu tou contente
                Quando na viola canto
                Pois ta pensando o contraro:
                Eu canto é como o canaro
                Preso na sua gaiola,
                To cansado de dizê
                 Que, se vivê é sofrê,
                 Eu já passei da bitola."

     
10. Recomendara ao pessoal de casa, que, a quem me procurasse, dissesse que eu havia viajado pro Himalaia ou para Guaramiranga, no Ceará. Com essa mentirinha esfarrapada, estaria, com certeza, dispensado de repetir o chato "Muito obrigado! Muito obrigado!" àqueles que, de repente, se lembrassem de mim.
     
11. Mas hoje cedo, bem cedo, caí na extrema tolice de ir a uma livraria, na esperança de que, circulando por entre livros, passaria despercebido; no mais oportuno anonimato. Que nada! Dei de cara com um casal amigo. 
     
12. E ela: "Você está ótimo! não te dou a idade que você diz ter." E insistiu, agora, com um pouquinho mais de intimidade: "Ótimo! Ótimo!" Sem pestanejar, respondi-lhe o seguinte: A amiga está brincando; ou me lavando na troça. Você não quer avaliar o insanável estrago que os anos me causaram. E ela, com mais ênfase: "É verdade! É verdade! Pode acreditar; você está ótimo."
     
13. Devo dizer que nós já nos conhecíamos de velhos e animados carnavais. Ela fora, por algumas preciosas horas, minha disponível e louca colombina, antes e depois, de um desses bailes de Momo, no século passado.
     
14. Deixei-a na livraria comprando "O silêncio dos amantes", de Lia Luft; e, à distância, acariciando-me com denunciadores "olhares mendigos"... e saudosos.
     
15. No carro, de volta para casa, e enfrentando um engarrafamento dos diabos, repeti esta frase, que ponho, aqui, em destaque -  "Quando alguém disser que você não apresenta a sua idade, fique certo de que essa pessoa mente", sábia lição do impagável Pitigrilli, que descobri no seu livro "Não se come frango com as mãos", só encontrado, talvez, nos sebos. Uma pena!
               ELA MENTIU...
      
               
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/03/2009
Reeditado em 27/09/2019
Código do texto: T1470352
Classificação de conteúdo: seguro