O morto

Hoje passei por um morto. Por alguns momentos parei e observei. Tratava-se de um rapaz. Algo em torno dos 18 anos. Ouvi comentários de alguns que, assim como eu, formavam o grupo de expectadores daquela face fria da morte: "Foi acerto de contas", "Devia a boca", "Andava roubando na área". Ainda que em silencio, também procurei uma desculpa para a causa do mal.

O morto, caído de bruços, não era mais uma "ameaça". Ouvi um "Já foi tarde", subitamente, alguns questionamentos surgiram em minha mente: "O nome?", "E família?", "Quem vai chorar por ele?".

Um texto Bíblico em veio com força: "No princípio criou Deus" e me senti como se tivesse que escolher entre os dois caminhos: O do princípio e o final. "Mas afinal, nem conheço o morto, por que estou me sentindo assim?" dialoguei internamente. "Mas, é um jovem. Um homem. Um semelhante" respondi. Como um delírio, me vi voltando a um passado que não conhecia. Imaginei o nascimento do morto. A Alegria do papai e da mamãe. O primeiro passinho. A primeira palavrinha. O aniversario de 1 ano. Os Natais. Os beijos e os abraços. Meu coração foi tomado de uma tristeza "Sei lá o porque". É que "No princípio criou Deus" repensei.

Olhei e, mais uma vez, observei o corpo magro e ensangüentado, caído, sem nome, abandonado, morto. "Se tudo começou bem, por que terminou tão mal?" pensei. "Não. Não é justo fazer esta pergunta" me respondi. Olhei uma última vez, para o meu semelhante e segui para viver o que resta de minha vida.