QUE FALE MINHA SENSIBILIDADE!

Hoje pretendo deixar os dedos correndo sobre o teclado do computador sem qualquer disposição de os guiar, para que digitem a mensagem nascida da potente sensibilidade do tato, sem peias, sem amarras, ficando o controle somente para o momento do cansaço. Então, seguindo completamente esse diapasão, as letras formem frases e, estas, parágrafos, surgindo, daí, alguma mensagem interessante mesmo desconexa. Os dedos e as mãos que falem! Como se fossem meros instrumentos do fascínio e do além-imaginado. Caia sobre o brilho esfuziante do terminal a ofuscar meus olhos uma grande tempestade de palavras e provoque alguma espécie de enxurrada repentina capaz de alagar as ruas do meu pensamento, afogando e levando com os indistintos termos a opressão das novas regras gramaticais, do justificado que corrige e alinha as linhas esquerda e direita do texto, do algo a declarar exigido nas crônicas.

Quero a liberdade de permitir-me fluir pelas letras sem sufocar minha inteligência nem oprimir a criatividade com objetivos pré-fabricados. Porque não me cabe premeditar quais vocábulos unidos deverão ser lidos por meus raros leitores. Nem devo tentar impingir-lhes fórmulas literárias arquitetadas em laboratórios mentais. Escrever tudo ao bel prazer da telha, eis meu sublime anelo. Rabiscar o espaço todo branco com risquinhos escuros ao jeito das crianças e sua abençoada inocência. Não determinar conceitos planejados, nunca usar a intolerância da força ou dos sofismas para definir preleções nem conceituar precocemente alusões para esse ou aquele leitor.

Não, hoje só vou escrever prosas de nonadas, fragmentos de desconjunturas, displicentes incoerências e risíveis quimeras desconexas. Nem mesmo enveredarei pela facilidade minimalista das linhas mínimas com máximo e equilibrado conteúdo, passando longe também, decerto, da lógica cartesiana e dos traços melífluos dos abnegados certinhos da cultura. Mergulho acintosamente no leito caudaloso da contra-cultura sem nenhuma mácula ou dorzinha na consciência. E o faço somente pelo lúdico prazer de brincar de criancice com a sopa de letrinhas desenhadas no teclado surdo à minha frente. Não há outro objetivo. Como a petizada sapeca, apraz-me sorrir sem encontrar razões para isso, desperta-me o interesse o vôo dos vagalumes; aguça-me a curiosidade saber por que o céu às vezes é azul, outras escuro e sombrio; leva-me às garras da emoção ver meninos de rua em plenipotenciário estágio de abismo abaixo, de fome, de abandono, de mágoa, de protagonista de nenhum futuro. A incerteza de tudo me causa lágrimas. Hoje eu não estou conseguindo segurar as pontas no auge de tantas injustiças e de tanta violência de seres humanos contra eles próprios. Ah, eu gostaria de expor meu contundente e absoluto desprezo contra os desgraçados bandidos de qualquer espécie promotores da cruel violência que vem assolando o nosso tempo. Para todos eles o meu desprezo. E a esperança de vê-los pagando por seus sórdidos crimes sob o máximo rigor da lei.
Hoje abstenho-me de escrever algo coerente.
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 04/03/2009
Reeditado em 13/08/2010
Código do texto: T1468123
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